quinta-feira, 18 de abril de 2013

Post.it: Na estação de comboios


Sempre que ia ao Porto e ia quinzenalmente, lá estava ele na estação de comboios  curiosamente não tinha o olhar perdido que a idade avançada lhe poderia dar. Espreitava a cada chegada, deslocava os olhos por entre a  multidão até não restar mais ninguém dessa viagem. Dir-se-ia que esperava alguém. Alguém que tardava, alguém que tinha perdido o comboio. Comecei a ficar curiosa, fui-me aproximando, sentei-me a seu lado. “Está atrasado? Os comboios são assim, nem sempre chegam na hora prevista”. Olhou-me, sorriu-me num gesto de assentimento e voltou a perscrutar os rostos anónimos em busca de um que lhe fosse familiar. E mais uma vez a estação ficou vazia, e mais uma vez suspirou. “Há quanto tempo está à espera?”. “10 anos, 2 meses, 10 dias e algumas poucas horas”. “Algumas poucas horas, que se tornaram muitas, demasiadas, talvez?”. “Nunca são horas demais para quem acredita que a chegada vai acontecer”. “E o que espera, um amor?” O meu pensamento já lhe desenhava uma novela repleta de dramático romantismo. “Menina, eu lá tenho idade para esperar o amor! Espero a minha filha, disse que ia ao Porto e que voltava, para a esperar e eu espero, já não tenho ninguém, a mãe dela partiu para o céu, se não fosse pela minha filha tinha partido com ela, mas tinha que cuidar da miúda que apenas tinha 8 anos. Criei-a, dei-lhe tudo o que pude. Levei-a à escola, cuidei das suas febres, chorei quando tive de a deixar no hospital para ser operada ao apendicite e mimei-a com tudo quando lá a fui buscar. Pintei-lhe o quarto de cor-de-rosa, enchi-o de bonecas compradas na feira, o dinheiro não chegava para barbies, mas ela nem deu pela diferença, era humilde, grata; era alegre, inteligente, dizia que um dia seria médica para cuidar de mim na velhice, era feliz… Até conhecer o Jorge que mora no Porto. Ele fazia-lhe cenas de ciúmes, afastava-a de mim, roubou-lhe o sorriso, provocou-lhe lágrimas, tornou-a infeliz. Bem que tentei abrir-lhe os olhos, mas dizia-se apaixonada. O amor não é sofrimento, não é humilhação, o amor não nos faz mal e o que tu sentes pelo Jorge magoa-te, magoa-me. Afasta-te dele, ele não te merece. Ela baixava os olhos e dizia que sim com a cabeça. Até que um dia viemos até à estação, apanhou o comboio para o Porto, foi falar com o Jorge, acabar tudo e regressar. E eu espero-a aqui, ela vai regressar, vai trazer no rosto aquele sorriso com que a vi crescer.
De repente interrompeu o discurso, levantou-se num ápice. “ Desculpe, agora não posso conversar mais consigo, chegou um comboio.”
E lá foi até ao apeadeiro para receber quem nunca chega. Levando no rosto um sorriso de esperança que, imagino, seja igual ao que a filha herdou, se é que ela, esteja onde estiver ainda o tem, pelo menos na lembrança…