segunda-feira, 12 de março de 2012

Post.it: Embalo africano

Gosto de ouvir as histórias desta amiga de longa data, de longa memória. Gosto de saborear as suas recordações, de as sentir como se fosse minhas. São memórias que se vão desvanecendo no tempo, mas que ela conta ainda com o olhar cheio de brilho, como se os estivesse a viver e a sentir com o mesmo entusiasmo.
“Tenho lembranças esquecidas, ou melhor adormecidas, que despertam impulsionadas por instantes especiais. Como aquele momento único, aquele em que nasce um neto, algo só comparável ao nascimento dum filho, com a vantagem de que o podemos apreciar sem as dores do parto. É um momento vivido com ternura do início, desde a comunicação da notícia ao final, o encontro. A visualização daquele pequeno rosto, que desde logo nos deixa desde logo embevecidas de amor. Sinto como se reencontrasse na minha neta a filha renascida porque é a sua cópia fiel. Foi então  que me veio  à memória uma cena que já há muito tinha esquecido. Que aconteceu há muitos anos atrás, quando trabalhava nuns pais africano. Deixava a minha filha entregue aos cuidados duma empregada da casa. Lembro-me como se fosse hoje. Era tipicamente africana com uma cor bem escura que lhe dava um brilho especial. De sorriso permanente e um corpo sempre dançante enquanto desempenhava as suas tarefas. Um dia cheguei a casa, e encontrei-a na cozinha, estava a lavar a loiça, transportava nas costas a minha filha amarrada por panos coloridos. Lembro-me que era uma cena lindíssima, Shaira assim se chamava, dançava e cantava enquanto a minha filha, uma bebé loirinha de grandes olhos azuis sorria, divertida com o embalo. Fiquei a observar sem ser capaz de me mover. Gostava de ter registado a ocorrência, mas fiquei imóvel, com receio de quebrar o encanto. Naquele dia tal como hoje, enternece-me aquela imagem de unidade. De harmonia entre povos que embora culturalmente diferentes, conseguem realizar momentos de grande cumplicidade. E penso com saudade, (quem me dera que a minha neta conhecesse e crescesse com essa diversidade para aprender a amar cada povo e cada cultura)”.
Não preciso de fechar os olhos para visualizar tudo o que ela me diz, porque o descreve com tanta paixão, de repente estou em África, naquela cozinha, enquanto Shaira lava a loiça e embala a menina, embala-a nos mesmos panos traçados com que acalenta os seus filhos, e ambos são felizes e sorriem, porque sentem o mesmo amor que as aconchega, independente da cor da pele, dos meios económicos, da marca, sem marca comercial dos panos traçados.

8 comentários:

  1. Anónimo12.3.12

    Adorei, e tal como tu vislumbrei a cena descrita e invejei esse embalo africano. Alberto F.

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  2. Anónimo12.3.12

    Belas lembranças mesmo que as memórias as vão desvanecendo, tenho a certeza que ficam perpetuadas no coração.

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  3. Anónimo12.3.12

    Também estive em África, devo ter vivido alguma vez esta situação mas era demasiado pequena para o recordar, do que lembro ainda é do cheiro da savana. Das chuvas que ao partirem, deixavam uma paz que não existe em lugar algum do mundo. Bjs, Leonor

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  4. Anónimo12.3.12

    Gostei desta cena aqui reproduzida com o encanto de quem sabe ouvir e sentir. Apeteceu-me apertar esses panos e neles abraçar os meus filhos. De os estender a África ou a qualquer outro continente onde a humanidade chegue com o seu abraço. Filomena

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  5. Anónimo12.3.12

    Nem tudo o que é de “marca” é bom, porque pode-lhe faltar o essencial, o calor humano, o embalo, o carinho. Quanto mais não valem os panos que se atam à cintura e não apartam mães e filhos ao longo do dias nas tarefas mais diversas.

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  6. Anónimo12.3.12

    Fico sempre em suspense com cada momento que partilhas connosco. Pergunto-me antes de entrar no computador, qual será o teu motivo de inspiração e surpreendo-me constantemente com a tua fonte interminável de lindíssimos recados. Bjs A.

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  7. Anónimo12.3.12

    Minha amiga, que memórias tão bonitas que aqui nos deixas sempre, com a sensibilidade da tua escrita, sempre fiel ao sentir. Beijocas, C.

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  8. Anónimo12.3.12

    Deixam-me sempre curiosa como é que seguram tão firmemente as crianças nesses panos coloridos. E como as crianças parecem felizes nesse embalo, nessa proximidade com a mãe. Amália

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