sexta-feira, 28 de junho de 2013

Post.it: Infâncias felizes

Por vezes visito o baú das memórias não que seja muito ligada ao passado, na verdade é que ele está ligado a mim, pelo que fui e sobretudo pelo que sou. Nesta visita, questionava-me sobre como era a infância sem tv 24 horas por dia, sem computadores, se consolas de jogos, sem telemóvel. Era uma infância feliz, sem vazios, sem angústias, sem competitividade. Inventávamos histórias em que éramos as suas personagens. Participávamos em jogos, engendrávamos brincadeiras. 
Cresci entre primos e primas, éramos ao todo 10, um  verdadeiro clube de aventuras. Partíamos de manhã e só nos voltavam a ver quando a noite nos chamava para o jantar, de mochila às costas preenchida com uma merenda colorida, fazíamos as nossas “viagens” não muito longe do olhar dos pais, dos tios, dos avós. Mas sentíamo-nos em plena liberdade e por isso mais responsáveis por nós e pelos outros. Acampávamos no pequeno riacho que banhava a quinta dos meus primos, nadávamos, jogávamos às cartas, líamos uns para os outros e adormecíamos felizes na frescura da tarde. 
Noutros dias andávamos a cavalo, corríamos atrás das ovelhas, das galinhas, acariciávamos os coelhos ou simplesmente ficávamos embalados pelo movimento do baloiço depois de termos tentado com ele tocar o céu com ele. Consoante as épocas tínhamos o jogo do pião, os berlindes, o jogo do lenço, o mata, a corda de saltar e tantos outros que já me esqueci. 
Fazíamos as nossas festas de gira-discos, os bailaricos, o saltar a fogueira, a dança da fita enrolada no poste, tínhamos os nossos festivais da canção em que éramos simultaneamente concorrentes e júris, mas não havia brigas, tudo acabava num sorriso sem vencedores nem vencidos. Nos aniversários, no Natal, na Páscoa não havia muitos presentes, mas havia sempre muita diversão, espírito de amizade, alegria e fantasia. 
Hoje dá-se tudo às crianças, dá-se tanto que parece  nunca chegar para preencher esse vazio que lhes cresce no peito, rasgam o papel ávidos de surpresas que rapidamente esmorecem, rapidamente caiem no esquecimento. Alimentamos uma ansiedade de algo que nem eles nem nós sabemos a causa. Tentamos trocar a falta de tempo, de atenção, por prendas. Tentamos colmatar a nossa culpa, a nossa ausência, e eles, atentos ao grito da nossa consciência tiram partido dela, pedem e exigem um mundo todo ao seu dispor. Entristeço-me por mim, entristeço-me sobretudo por eles, que não têm o mesmo sentido de amizade, a mesma capacidade de fantasiar, de voar sem ser através dos jogos virtuais. Nós tínhamos tão pouco, mas éramos felizes, eles têm tudo, tudo menos a ventura de reconhecerem a sensação de felicidade.