quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Post.it: Quem me roubou o tempo?


– Lembras-te do João? O filho da Marta? Que morava no 5º andar? – Sim, já me lembro (vagamente), respondi enquanto pensava, ‘agora deve vir ai o resto da história, casou, teve filhos, divorciou-se, detesto novelas!’ Bocejei por dentro.
 – Encontrei-o outro dia, está mais velho. ‘Claro, continuei a pensar sem desviar os olhos do livro que estava a ler, afinal já se passaram, 10, 20 anos, sei lá, não os ando a contar, resmunguei em pensamento, por me impedirem o sossego da leitura’.
Houve um silêncio, ‘o assunto deve ter acabado aqui’, suspirei.
 – Tu não sabes…
Perante o tom amargurado de voz, desprendi o olhar do livro, foquei-me curiosa no seu rosto.
– Tu não sabes, repetiu, o tempo não anda, nem sequer voa. Conheces aquela sensação de quando pensamos que temos uma nota na carteira e afinal não temos?
‘Abanei a cabeça num gesto de confirmação’ e ela continuou a sua divagação, – Sentimo-nos roubados, porque não nos lembramos de ter gasto esse dinheiro. Foi assim que me senti quando encontrei o João, casou-se, teve filhos, divorciou-se, está velho e, ‘continuava a escuta-la sem entender a analogia do discurso, mas não quis interromper’ – No entanto. Continuou no mesmo tom melancólico. Ele é muito mais jovem que eu, como estarei no seu olhar? Velha, certamente, muito velha, o que me entristece, o que me revolta é que não dei pelo tempo passar, sinto que o roubaram, que não o vivi ou, será que o perdi?
‘Tu não sabes… digo-lhe em silêncio, ‘mas também me sinto por vezes assim, e sempre que isso acontece, prometo que vou tomar mais atenção, para não perder, nem deixar que me roubem de novo o tempo’.


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