terça-feira, 23 de outubro de 2012

Post.it: Vaidades literárias


Sinceramente não gosto dos teus livros. Bom, desculpa esta intimidade de tratamento, coisas que o distanciamento de leitor nos permite. Isto não significa de modo algum que me compare a ti, que me considera colega destas artes, porque na verdade não me sinto nem sequer a espreitar no primeiro degrau.
Repito a minha confissão, não gosto do que escreves. Garanto-te que já tentei, quis sentir-me culturalmente evoluída, afinal, és um escritor de renome, com prémios a enfeitar a parede. Bem que tento ler e reler, mastigar as frases para lhes encontrar algum sabor, mas, nada. Falta-lhe algum ingrediente, um qb de tempero, ou talvez excesso de fel. Tudo o que leio do que escreves deixa-me um sabor amargo, dum pessimismo que não é de lágrimas mas de descrença em tudo o existe e até no que há de existir, porque não vislumbras nenhuma luz no fundo do túnel, caminhas por ele e levas-nos para essa escuridão sem a esperança de encontrar alguma luminosidade.
Agora deu-te para seguires o rasto de outro autor, decidiste poupar na pontuação, vamos saltando de linha para linha sem percebermos se a anterior terminou, mas quem sabe, dessa maneira, até um dia destes és galardoado com um Nobel. Uma amiga minha costuma dizer com sentido pesar, “eu é que merecia um Nobel por tentar ler estes autores, mas se digo que não li, chamam-me de ignorante para baixo”.
Imagino-te já a remexer inquieto na cadeira, como se sentisses um desconforto de quem quer explodir algum impropério. Mas depois ergues esse olhar desgastado pelos anos, acendes mais um cigarro e remetes-te ao silêncio. Com o desprezo que emite quem se acomoda ao seu distinto pedestal. Leio e releio os meus humildes post.its e sinto-me feliz pela minha incapacidade de escrever “grandes obras”, sinto-me satisfeita por todas as vírgulas e pontos finais que não poupo, mesmo que a crise o exija, sinto-me afortunada pelo meu anonimato, pelas minhas paredes vazias de prémios, mas o coração repleto dos generosos elogios das minhas amigas quando lhes deixo em cada parágrafo uma minúscula luzinha de alento, essa luz, que tu  perdeste algures pela fama.

Sem comentários:

Enviar um comentário