segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Era uma vez: Uma varanda de ver mundo (4)

João espreguiçou-se e piscou os olhos à luz que lhe inundava o quarto. O estore da janela estava sempre puxado para cima. À noite, podia observar uma grande porção de céu, ora limpo e estrelado, ora carregado de nuvens, mas sempre horizonte aberto onde podia libertar a imaginação e vagar em fantasias de um futuro livre e cheio de promessas. De manhã, gostava de ser acordado pelos tons dourados da luz do amanhecer. A mesma luz que se tornava mais intensa e quente ao longo do dia e lhe iluminava o quarto e os dias e tornava tão aconchegante o seu espaço preferido – o canto da varanda grande e larga de onde observava a vida a fluir lá fora.
Nessa manhã o seu primeiro pensamento foi para o pequeno pássaro cuja voz falada viera alvoraçar tudo dele e povoara de sonhos a sua noite. A interrogação mantinha-se, no coração e na mente – “será possível?”
Custava-lhe a crer no que ele próprio ouvira e presenciara, mas queria muito acreditar que acontecera, que não sonhara ou, pior, que não delirara. Só havia uma forma de saber – esperar pela hora do lanche e ver o que o pequeno pássaro faria desta vez.
A mãe bateu à porta e entrou logo de seguida. “Bom dia, meu filho! Que tal a noite?” Beijou o filho sem esperar pela sua resposta e começou a dispor o necessário para o banho matinal a que se seguiria o ritual do pequeno-almoço em família, como era habitual ao Domingo. Mais uma vez, João desejou poder tomar banho sozinho, ficar na intimidade do seu corpo e poder estar na “idade do armário” como os outros adolescentes, que fechavam as portas da casa de banho e do quarto e não dependiam de ninguém para quase tudo, como ele. Este pensamento assaltava-o sempre a esta hora, como uma erva daninha a tentar roubar a paz do seu dia, como uma pancada que o estremecia e minava a sua fortaleza de vontade e esperança. Às vezes conseguia deixá-lo triste e tão calado que a mãe pensava que ele estava doente e insistia em saber a razão da sua tristeza, acabando por irritá-lo com a insistência. De início, esses momentos davam origem a algumas crispações e respostas menos simpáticas da sua parte. Foi percebendo que isso só dificultava o seu esforço de adaptação à nova vida, além de entristecer a mãe que, como ele, também sofria. Por isso, foi aprendendo a lidar serenamente com esse pensamento e a afastá-lo com ideias positivas. Nesse dia, afastou-o pensando nos amigos que viriam visitá-lo, no parque e no pequeno pássaro. Mentalmente fez o plano das horas e concluiu que teria de voltar do parque mais cedo que o habitual, antes da hora do lanche, para não perder o encontro com o novo amigo. A lembrança deste encontro fê-lo sorrir.
“Estás bem disposto hoje, meu filho!”
Estou, mãezinha. É Domingo, está sol, o pai está em casa, à tarde vou sair e encontrar-me com amigos. “Não achas que devo estar bem disposto?”
A mãe sorriu e beijou o filho. Sentiu-se feliz como há muito não acontecia. Era a primeira vez que via o filho sorrir por uma razão interior “será que o meu menino está a aprender a sentir-se bem na nova vida?!” Já no dia anterior tinha vislumbrado um novo brilho no seu olhar e, hoje, este sorriso.
Já estavam de volta ao quarto e João foi-se vestindo com a ajuda da mãe que, em cada dia, o incentivava a mais um gesto autónomo, a mais uma pequena conquista, sempre com carinho e paciência. O pai deixara de participar nessa tarefa porque tinha dificuldade em não fazer ele tudo e porque ainda não lidava bem com a nova situação do filho. A cada dificuldade, havia uma lágrima a espreitar e, para não esmorecer o filho com a sua tristeza, distanciara-se um pouco dessas rotinas. Entrou no quarto quando João estava quase pronto. Abraçou-o e, pegando-lhe ao colo, colocou-o na cadeira e partiram os três para mais um pequeno-almoço de ternura e carinho. O Domingo anunciava-se feliz e João sorriu, sorriu muito, com os olhos a brilhar de expectativa e esperança.
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(Continua)
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3 comentários:

  1. Hi,
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    Can we be friends?? LinkExchange??
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  2. Anónimo20.12.10

    Minha amiga de sonhos e histórias estou cheio de curiosidade sobre o que o pequeno pássaro vai trazer à vida do João e um sorriso interior já não é pouco!
    Teve a coragem de tocar na dor que mais dói - depender, não ser e não poder: não ser autónomo, não ser capaz de fazer, não poder dizer, gritar e chorar porque muitas vezes nem as lágrimas se pode limpar. A esperança aos quinze anos é grande, mas esmorece e vai sendo compensada pela habituação mas continua a doer.
    Eu não tenho parque em frente à minha varanda. Nem sequer tenho varanda. Da janela vejo os prédios gastos pelo tempo e os dias a escoarem-se por uma vida que se aproxima do fim. Esta é a minha janela de ver mundo e você é um raio de luz que entra por ela. Os poemas e post.it da olhares também me fazem companhia e gosto muito deles, mas espero pelas suas histórias e quero ver o mundo da varanda do João. Obrigado a ambas as duas.

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  3. Anónimo21.12.10

    Oi! Sou brasileira e encontrei este blog por mero acaso. Me tocou sua história do João e também a do Daouda. Vou acompanhar o passarinho da esperança. Beijos. Soraia.
    PS - para o amigo que fez o comentário anterior, meu abraço.

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