domingo, 11 de julho de 2021

Post.it: Nunca mais...

Para além de todas as dúvidas que temos, há muitas certezas que começam a ganhar expressão na nossa vida, no nosso dia-a-dia, no nosso amanhecer e que adormece connosco enquanto nos rouba a capacidade de sonhar. A frase, “nunca mais”, inunda-nos, avassala-nos, magoa-nos, sobretudo porque se torna crescente e não se vislumbra um fim à vista.
Nunca mais verei  a Drª Graça, a Drª Lurdes da farmácia da Pampulha, o Sr. Martins do Café da rua de baixo, o P. Afonso e tantos outros rostos, nomes, vidas que se cruzavam com a minha, que a tornavam mais rica, mais firme, mais completa. Pessoas que faleceram durante a pandemia e outras, devido a ela. Pessoas a quem não podemos dar um ultimo adeus, acompanhar até à sua última morada nem depositar junto a si uma simples flor.
Nunca mais abrirão vários estabelecimentos, a padaria da esquina, o café dos pastéis de bacalhau no Bairro Alto, a frutaria do Sr. Joaquim e outros, tantos outros que agora apenas revelam montras tapadas com papeis que escondem um interior desolador e vazio.
Nunca mais tive boleia para o emprego com as conversas matinais por vezes alegres, outras, sonolentas, rezingonas, faz parte, depois de 20 e muitos anos de amizade em que já não há segredos nem se escondem as características de cada um.
Nunca mais houve abraços, beijos, sorrisos destapados na rua, nos transportes, no emprego.
Talvez haja coisas que voltem a ser o que eram. Surpreende-me sempre a capacidade de nos reerguermos, de nos reinventarmos, de tirarmos as lágrimas dos olhos e as escondermos no coração.
As primaveras continuam a oferecer viçosas flores, as andorinhas regressam fielmente aos ninhos dos anos anteriores. O mar estende-se azul, os campos cobrem-se de verde. As árvores frondosas oferecem generosas sombras. O luar continua a mudar ciclicamente de fase.
O sol continua a brilhar se entretanto não vier um cientista maluco acusa-lo de ser a causa da reprodução dos vírus e invente uma mascara para lhe tapar o brilho.
Ficaremos bem, ainda acredito que sim, um dia, depois de meses e anos, sabe-se lá quantos…
Mas o mundo, as pessoas, as vidas, os comportamentos, os medos, nunca mais voltarão a ser o que eram. Sofremos demasiado, crescemos demasiado, morremos demasiados. Há uma geração a nascer e a crescer olhando para rostos com máscara.
Nunca mais seremos quem eramos, mas, quem sabe, nos tornemos melhores, mais unidos, mais solidários, mais conscientes, mais criativos, com mais sorrisos, no olhar…


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