domingo, 25 de julho de 2021

Post.it: O outro

É necessária a aproximação, um olhar, uma partilha, o ar, o céu, a sombra de uma árvore, o abrigo de uma varanda para proteger da repentina chuva que cai sobre rostos anónimos. Há uma hospitalidade, uma generosidade de palavras, de gestos, de silêncios, no banco do jardim, no banco do autocarro, dividido entre nós e o cansaço. 
Há quem cruze o olhar de forma rápida ou se detenha, há quem procure o outro e o encontre num aparelho eletrónico. Tudo o resto, são passos à procura do caminho... Teresa, lá vai, todos os dias, carregada de sacos onde leva toda a sua vida, neles vão, roupas, sapatos, talvez alguma foto, muitas memórias que se vão diluindo, mas não torna mais leve o fardo que transporta de um lado para o outro mal o sol espreita na madrugada. É tudo o que tem, “é tudo o que sou” murmura por entre as palavras que não nos chegam percetíveis. Ajeita o chapéu de abas largas e volta a erguer os sacos, 2 ou 3 em cada mão. De onde vem? Para onde vai? Encolhe os ombros, “já não me lembro onde queria ir.” Justina aconchega as canadianas nas mãos magoadas, são as suas pernas quando as outras há muito lhe falham, tenta sorrir já sem sorriso enquanto com uma voz grave, enegrecida pela mistura de álcool e tabaco lhe diz, “não importa, vamos juntas!” Lá seguem as duas, sabe-se lá para onde, em busca do destino, da sorte, "da vida até à morte."
O outro, um mistério, uma porta, por onde, por vezes, nos atrevemos a entrar, a ficar, a chamar-lhe amiga/o. O outro, que por diferente ou estranho que pareça, tem sempre algo de belo, tem sempre algo para oferecer ao eu. A esse eu que lembra a cada um de nós que para alguém, somos, o outro.

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