sábado, 19 de junho de 2021

Post.it: O gato amarelo

Quando era criança ia passar quase todos os fins de semanas na quinta onde moravam a minha tia, primos e  priminhos. A minha tia tinha um gato amarelo, enorme, silencioso, discreto, pouco amigo de festas no pelo. Desde que me levantava até que me deitava ele andava sempre ao meu lado. Sentávamo-nos no muro e ficávamos a ver o despertar dos primeiros raios de sol na madrugada. Nunca lhe acariciei o dorso e nunca ele se roçou em mim, nunca falei com ele, nunca ele miou para mim. Mas durante muito tempo fomos companheiros inseparáveis, quando ele morreu, chorei-o. 
Tempos mais tarde, o meu vizinho do andar e cima, arranjou um gato, o Sebastião e para minha alegria, era amarelo. O Sebastião era meio vadio, ficava todo o dia em casa mas ao entardecer punha-se a miar junto da porta, a pedir para sair. Voltava pelas 2 horas da madrugada, punha-se a miar junto da minha janela e eu meio ensonada lá lhe ia abrir a porta da rua. Subia de imediato e deitava-se silenciosamente no tapete da entrada da porta do meu vizinho. Tínhamos uma amizade discreta, no fim de semana, dava-lhe um sermão – Sebastião tens de vir para casa mais cedo, todos os dias na borga até às 2 horas da manhã? Isso tem de acabar! Ele rolava no chão e oferecia-me a barriga para que lhe fizesse festas. – Não merecias, mas, não te resisto! Claro que pelas 2 horas da manhã lá estava o Sebastião a miar na janela, mais pontual que um relógio. Quando o Sebastião morreu atropelado, durante muito tempo ainda lhe ouvia o miar às 2 da madrugada, até se silenciar na memória. Passados uns anos, o mesmo vizinho adoptou outro gato, surpresa das surpresas, era amarelo e assim foi batizado. Era um gato vadio que por ali apareceu, dormia na rua e à hora das refeições aparecia para o meu vizinho lhe dar comida. Todas as manhãs quando eu ia para o trabalho, lá estava o Amarelo à espera que lhe abrisse a porta da entrada do prédio, entrava sorrateiro e subia rápido as escadas. Um dia disse-lhe, - Amarelo, mas nem se diz bom dia? Ele parou, olhou para mim, miou e prosseguiu o seu caminho. Não sei se me entendeu, mas desde esse dia, quando lhe abria a porta, olhava para mim, miava e só depois subia. Passados alguns anos, desapareceu. Mas, dizem as pessoas do bairro que na rua de cima aparecerem vários gatinhos amarelos, talvez filhotes do Amarelo? 
Um dia uma amiga ofereceu-me um cachorro, para grande felicidade minha, era amarelo. Olhei-o nos olhos e num flash da memória, juro, que vi o olhar do gato amarelo, companheiro da minha infância, o Sebastião que adorava andar na borga e o Amarelo a miar-me os bons dias. Talvez os amarelos não renasçam, talvez,  vindos da memória nos visitem o coração.




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