segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Post.it: O poente dos dias

Gosto das manhãs quando ainda tudo é novo, ainda tudo cheira a começo, a único, quando os sons ainda são de ténues silêncios, quando o tempo ainda não se mede em horas mas em vagas de azul. E mesmo no mês mais quente, no dia mais escaldante, a manhã tem sempre gotas de água humedecendo os extensos prados onde dentro em breve os rebanhos vão pastar. Apetece caminhar descalça e refrescar os pés naquela contrastante humidade, apetece abraçar cada árvore e retirar desse abraço a ternura de natureza tão generosa de cores e de perfumes.
Depois há uma parte do dia em que tudo parece parar, convida-nos a embalar os sentidos, a procurar refúgios para que os sonhos possam abrir as asas e voar. Nem os pássaros se atrevem a sair do ninho, nem os coelhos da toca, está calor, demasiado calor nas terras alentejanas, nem viva alma se vê, nem um silvo se ouve.
Quando a orla da tarde desenha uma sombra na alvura da paredes caiadas. O corpo oferece à dolência um instante de abandono. Porque o caminho de tão quente faz transpirar o alcatrão. Respira-se devagar, um ar que abafa os pulmões. Só os olhos ainda se agitam, ávidos de paisagem, como quem quer beber toda a beleza daquele extenso oásis.
Por fim a  noite já se avizinha, vem sem pressa de chegar, não quis ser trazida pelo vento, preferiu a leve brisa que desliza no tempo  devagar, para apreciar a viagem. Para chegar, naquela hora “dos mágicos cansaços” quando o sol já desfalece em admiração na orla do horizonte, quando quase esmorecendo encontra um último fôlego para deixar na linha do espaço um leve beijo com que recebe a serenidade da noite enquanto o dia já parte no ocaso da vida.


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