quarta-feira, 13 de março de 2013

Post.it: Gente fria também chora


Lembro-me daquele rosto firme que nunca esboçava um sorriso. Lembro-me do seu olhar com expressão vazia, da sua voz cavernosa.
Lembro-me dos seus passos pesados que se ouviam muito longe como se se anunciassem antecipadamente.
Lembro-me das suas mãos grandes, grossas, com as marcas da enxada cravadas na pele. Lembro-me que cheirava mal, como eu a as outras crianças dizíamos irreflectidamente,  só alguns anos mais tarde reconheci aquele odor a suor noutros corpos cansado por trabalharem a terra de sol a sol. Não me lembro dos seus cabelos, se eram negros ou brancos porque se escondiam sob o chapéu de abas largas. Lembro-me de como nos gritava e perseguia numa pesada corrida quando lhe invadíamos maroteiramente o pomar para roubar meia dúzia de maçãs que comíamos deliciados.
E lembro-me daquele dia em que um de nós mais assustado caiu de uma das suas árvores e perdeu  os sentidos. Então aquele rosto que nunca esboçava um sorriso enrugou-se mais, o seu olhar perdeu a habitual escuridão, a sua voz calou-se e nós sem saber se fugir ou se ficar, trememos, não sei se por medo da dor do nosso amigo, se pelas lágrimas que aquele homem ‘gigante’, chorou...