sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Post.it: Uma viagem de sonho

As coisas que se podem fazer com o olhar, um simples olhar que nada tem de simples. E um universo desconhecido torna-se conhecido, entra-nos na pele e todas as células de vida se agitam. Querem dar-se, querem receber, querem estar, ficar para a eternidade daquele momento. Quanto durou? Um tempo que nos pareceu infinito e curto, o tempo de uma viagem de Lisboa ao Porto. Porque foi nessa viagem que nos conhecemos. Conhecer, palavra tão concreta nesta nossa história que nem história chegou a ser.
Olhei para ti, olhas-te para mim e ficamos parados nesse olhar. Tu estavas acompanhado, eu sozinha, como sempre nos meus “cem anos de solidão” como lhe costumo chamar. Um olhar bastou-nos, bastou-me para ser feliz. Mergulhei nele, afoguei-me, morri, renasci, sorri, quantas? Tantas vezes e abraçámo-nos, beijámo-nos, amámo-nos, tu aí sentado, 4 bancos a seguir na fila contrária, eu aqui no meu lugar perto da janela. Não sei o teu nome nem tu sabes o meu, mas o que é um nome? Define-nos? Não! Nem somos nós que o escolhemos, alguém nos coloca essa etiqueta   sem sequer saber se tinham cara de Maria ou de Ana, de José ou João. Não sei quem és, não sabes quem sou e no entanto sabemos um do outro o que importa, o nosso olhar revelou tudo, ficámos nus perante ele, sem pudores, sem medos, sem promessas que não poderemos cumprir, sem compromissos que não poderemos assumir.
Ficámos assim, nesse espécie de transe amoroso até que um estremecimento de uma travagem algo brusca nos fez afastar o olhar, lá fora o mundo, o real, concreto de vivência, chamou por nós. Tínhamos chegado ao nosso apeadeiro. Um último olhar tocou o teu e deixou-se tocar, era um adeus?
Quem sabe, até uma próxima viagem...
Tocaram-me no ombro, sobressaltei-me, era o revisor. “Chegamos à última paragem”. 
Sorri, levantei-me e agradeci, ‘desta vez a viagem foi rápida’, pensei, quando acordei do meu sonho. Sonho? Ou talvez não, porque à minha frente estavam realmente uns olhos à procura dos meus, “um, nãa, não deve ser para mim ou então ainda estou a sonhar”. Sacudi a cabeça, baixei o olhar, saí do comboio e perdi-me na multidão.

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