terça-feira, 7 de agosto de 2012

Post.it: Lugar-comum


“Sou um lugar-comum, eis o que se me apraz dizer sobre a minha pessoa. Mulher cheia de queixumes, cada vez em maior número, porque a idade não perdoa, quando aqui e ali o ‘caruncho’ vai conquistando território. Vivi os meus dramas, chorei os meus rios, bom sejamos verdadeiros, assemelharam-se mais a mares, não, não te rias, já sei o que quer dizer esse sorriso, está bem, rendo-me foram, oceanos. O que queres, tenho as lágrimas à beirinha do coração. Sou uma viciada no amor, pelo marido, pelos filhos, pelos netos, pelos amigos até pelos estranhos que me tocam a alma e me fazem sair pela noite fora, distribuindo comida, cobertores ou apenas afeto.”
Quando a olho, reconheço-lhe, mais muito mais do que uma descrição aparentemente amarga, algo de diferente, algo que me prende a atenção. “Mais uma ruga?” Riposta no seu humor jovial, confundindo-me com um sorriso de quem já nada teme. Sim, talvez seja uma ruga, essa marca profunda que me diz algo de novo sobre o seu caminho. Com se o rosto nada mais fosse do que um quadro onde o tempo foi rabiscando esboços que ganham expressão e vida. “Gentileza tua, encontrar no declínio dos meus dias tal encanto, tal beleza que te prenda o coração por esse singular laço que é a amizade”.
Se soubesse usar a magia das palavras, se eu tivesse o dom de as oferecer como se fossem flores oferecia-lhe uma primavera, para que fosse apenas sua, e que nela permanecesse indefinidamente sem sentir a dureza das outras estações. Porque já as conheceu todas, demasiadas vezes.
Como não tenho semelhante dom, resigno-me a manter um silêncio constrangedor na esperança que o sinta com respeito e ternura. Um silêncio que lhe quer assegurar uma certeza, “Quando os dias declinam, erguem-se os encantos da noite”. Pessoas assim, nunca serão um lugar-comum, mas antes um lugar onde nos sentimos bem em estar e regressar o mais breve possível.

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