quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Post.it: Dom cidadão


Não tinha dom no nome mas na alma, sempre correto, cavalheiro, delicado no olhar, terno na voz. Nunca lhe ouvi um impropério mais agreste, nunca lhe conheci um tom mais azedo, nem um decibel mais alto do que o habitual. Sorria-lhe constantemente o rosto de faces alvas, como se o sol não o bafejasse com o seu doirado. Trajava com recato, “já não tinha idade para exuberâncias”, caminhava discreto como se não quisesse ser interpelado, e no entanto quando o cumprimentavam retribuía com um gesto de elevada gentileza e quase deferência. Dizem que vem de finas linhagens, que nasceu em berço de oiro, mas contínua discreto, sem fazer alarde de riquezas ou queixumes de pobreza.
Quando se cruza com uma briga, afasta-se com o sorriso condescendente, “que linguagem, que palavreado”, murmura a meio tom de voz. Provocam-no, espicaçam-lhe a sensibilidade, mas continua a sorrir, não porque não saiba responder, mas por não encontrar sentido na resposta.
Para quê atirar farpas de oralidade, ondas encadeadas de termos vãos, pedras de substantivos desadequados, com o intuito de magoar, ou com desejo de ferir, “não sabem eles que a fúria é como o álcool, aquece no momento mas depois deixa-nos uma enorme ressaca no peito? Com a desvantagem que a ressaca advinda do  álcool passa em poucas horas, no entanto, as ofensas podem ficar como uma sombra magoando-nos por toda a vida”.
Não tinha dom no nome, nem precisava, porque possuía nobreza no carácter, aristocracia no civismo, fidalguia de cidadão e  dignidade humana.

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