segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Post.it: O nosso tempo

O tempo passa, dizem. Mas talvez não passe, e sejamos nós não quem passa por ele. Nós com os nossos dias e a nossas noites. Com as pessoas que nos entram pela vida e as que saem avisando ou não. Pessoas que nos preenchem ou pessoas que nos esvaziam. Por entre as flores que nascem e murcham. Por entre árvores vestidas no calor ou se folhas despidas por um sopro de vento. Por entre as altas ondas e a doce acalmia. Por entre cais que são de chagada mas também de partida para  outros.
O tempo é sempre o mesmo, existe sem tempo, sem demarcação, não começa, não acaba, apenas existe. Nós gostamos de o rotular, de lhe colocar por datas, de o acondicionar nas páginas de um calendário, de o aprisionar em correntes de horas, em laços de meses, em fios de anos. Guardamo-lo em pedaços de memórias e chamamos-lhes, recordações. Sufocamo-lo no peito e chamamos-lhe saudade.
Enquadramo-lo segundo o frio e o calor, entre a chuva e o nascimento das flores e chamamos-lhes estações do ano, apeadeiros de encontros e desencontros.
Vem ao mundo e chamamos-lhe nascimento, damos-lhe a mão e dos passos periclitantes aos passos firmes chamamos-lhe crescimento.
A tecnologia expande-se, as pessoas mudam, chamamos-lhe evolução. A economia tem ganhos, tem perdas, a política manda e desmanda em todos os destinos e nós chamamos-lhe desenvolvimento. Cansamos-nos do nosso tempo, zangamos-nos com ele e chamamos-lhe revolução.
Culpamos o tempo da sua pressa, quando é nossa a lentidão. Acusamo-lo de morosidade, quando somos nós quem vai demasiado depressa.

O tempo não existe, o tempo não é alegre ou triste. Não tem principio, não tem fim. São definições nossas, num tempo que não é tempo, é o nosso tempo a permitir-nos sermos apenas nós.

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