sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Post.it: Aquela praia deserta

Os meus olhos são de mar, confundem-se por vezes com o céu, dizem-me que chegam a escurecer nos dias tristes, quando a nostalgia se torna um barco e me navega. Era assim que começava a falar de si com a voz arrastada das recordações.
Mas eu, continuava, prefiro a segurança de um cais, digo que sou praia invés de mar, essa praia deserta onde cresci, onde cresceu o meu pai e toda uma geração que nos antecedeu. Nessa praia ainda encontro os maus passos; riem-se os amigos desta frase; “são passos novos, os velhos foram levados pelo mar”, dizem-me, mas eu, que vejo mais longe no horizonte, continuo a encontrar os meus passos juntos com os da minha mãe, quando fazíamos longos passeios, os das brincadeiras com os meus irmãos, outros mais adiante, caminham juntinhos, suspiro, sim, são os meus e os do Miguel, que há muito partiu para, outras praias…
E o farol, cada vez que venho até cá, abraço-o. É um amigo, confidente, um pilar da minha história, quantas vezes foi a minha força. Numa confiança que vem dos tempos de criança, de que só ele sabe o caminho, a resposta silenciosa para as minhas gritantes dúvidas.
O areal, sempre o areal onde pousam as gaivotas, já não fogem à minha chegada, desviam-se, dão-me um pouco do seu espaço, sabem que aquela também é a minha casa. 
Tudo isto, sou eu, o ADN de que sou feita, que me circula nas veias com células carregadas de memórias, de histórias que vivi, que conto,  reconto e invento para adormecer a alma que à noite se aconchega numa duna de sonho com um teto de luar sob o olhar luminoso do meu velho amigo farol.


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