terça-feira, 16 de outubro de 2018

Post.it: Passeio matinal

Hoje  quando fui passear o cão senti que ainda levava a noite comigo, que os sonhos ainda me envolviam os pensamentos, pouco a pouco foram perdendo a conexão, o sentido. Os sonhos são coisas estranhas, enquanto dormimos tudo faz sentido, as imagens, as histórias que nos contam, mas depois, quando acordamos surgem-nos como uma embaralhada de coisas sem nexo. O estalo da fechadura  no fechar da porta magoou-me os ouvidos porque rasgou abruptamente o silêncio que ainda me embalava os sentidos.
Pouco a pouco fui despertando, pé ante pé, osso a osso acamando-se no corpo, músculo a músculo aconchegando-me como se fosse abraço que nos ampara, um arrepio na pele, uma gargalhada de  vento, e a chuva miudinha caindo como um manto frio que brinca com os meus cabelos enchendo-os de gotas brilhantes.
No meio do escuro, sentia-me uma sombra, os gestos suaves quase se diria, eram passos de dança, sorrio deste pensamento, “ora eu que nem tenho jeito nenhum para a dança”, talvez por isso de vez em quando um passo sai meio desequilibrado, ou então foi por causa de uma curva, um buraco no passeio, o empedrado com falta de algumas pedras. De repente a sombra quase desaparece para reaparecer mais adiante, como se me guardasse, como se me espiasse, não sei mar reconforta-me não me saber sozinha. Tudo à minha volta é silêncio, nem o cão ladra ou rosna, só perscruta o caminho na sua missão farejadora, vai para aqui, puxa-me para ali, e eu vou, com olhar atento mas o pensamento voando.
Por um curto momento olho para cima, as estrelas já  partiram, o sol ainda dorme e a lua acompanhando-me com um olhar amigo esboça quase um sorriso ou seria um quase bocejo que esta guardiã da noite me ofereceu como comprimento matinal?
E lá seguimos o caminho, eu, e a lua. Uma estranha relação, improvável até, eu  nada lhe digo, ela responde com o mesmo mutismo. Há amizades assim, companheiras de uma vida mas que nunca se falaram, nem para trocar um simples bom dia, desejar uma boa noite, fica tudo entre nós numa breve troca de olhares. Palavras, para quê? Opinar, discordar, etc.? Não, estamos bem assim, basta ela estar lá, basta eu estar aqui.

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