segunda-feira, 21 de maio de 2018

Post.it: A carta rasgada

Naquele dia, ele correu mais depressa que o habitual. Naquele dia, sentiu que voava, que o coração em alvoroço lhe saltava do peito.
Naquele dia chovia mas nem sem importou por ficar molhado. Naquele dia tudo estava igual, as mesmas pessoas na paragem, os mesmos cumprimentos, o mesmo atraso do autocarro, mas para ele tudo lhe parecia diferente, havia um sorriso no rosto de todas as pessoas ou era ele que o via mesmo que inexistente.
Tinha escrito uma carta de amor, a primeira da sua vida, mas a idade, já avançada, não lhe tirara a capacidade de amar, de acreditar que a felicidade ainda lhe podia acontecer.
Uma carta de amor, já não se usa, pensava, mas achava que era nisso que residia a sua magia, a timidez de quem escreve, a surpresa de quem lê e, depois, quem sabe, a resposta positiva mesmo que não fosse em palavras mas na beleza de um olhar radiante de luz. Porque ela, tinha esse olhar quando o olhava,
Chegou à paragem procurou desesperadamente aquele encontro, mas ela não estava, talvez já tivesse partido, talvez ainda não tivesse chegado. 
Não perdeu a esperança, esperou, passou um, dois, três autocarros, uma, duas, três horas e, nada. O seu olhar foi descendo, como uma flor que a haste murcha. 
De repente viu-a, a carta, caída no chão... rasgada!
Como ela, assim ficou o seu coração, rasgado em mil pedaços. 
Nesse instante, o dia escureceu, a chuva chorou copiosamente, voltou para casa, sentou-se no sofá, o gato saltou-lhe para as pernas, aninhando-se, pedindo-lhe afagos. 
Sorriu, sim, ainda conseguia sorrir, decidiu, amanhã vou mudar de paragem, de autocarro, de percurso para o emprego. 
Uma carta rasgada não pode significar um fim mas quem sabe, seja o princípio de uma outra história, esta, com um final feliz…

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