sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Post.it: Por este rio

Imagino o tempo como se fosse um rio, um rio que passa lá fora e eu numa das margens, observo-o e deixo-o passar. Sinto que passa por mim, por vezes passa em mim, e nesse passar vai deixando fios de neve no meu cabelo enquanto o rosto outrora liso e luminoso ganha socalcos de foz e sombras de luar.
Há quem veja esse rio repleto de lágrimas, de histórias sofridas. Há quem apenas o veja com declives, pejado de pedras rolantes, frio, apressado, que correndo para a meta quase revela uma cascada para onde caiem os sonhos, as esperanças, os desejos, a confiança.
Pobre rio, penso ao olhá-lo, que incompreendido és…
Navega na sua placidez até que uma vida mais tempestuosa o agita, turva-lhe as águas e afoga nele os seus medos. Procuramos culpados para as nossas culpas, perdidos por entre os labirintos humanos, baixamos os braços, deixando que o rio feito de tempo navegue e nos conduza ao longo da corrente. Por vezes sufocado pelas margens dos nossos condicionalismos morais, sociais, educacionais mas  também isso é apenas uma desculpa, uma tábua a que nos agarramos evitando a morte certa de tudo aquilo que somos.
Há quem tenha forças para ir mais além, verdadeiros heróis que tentamos sem conseguir, imitar. Aqueles que não temem a morte, essa morte que permite o renascimento. Sair da sua área de conforto, sair do rio, mergulhar em pleno no mar, afogando-se no peso da sua história construída como o cimento de toda uma vida de padrões, de grilhões herdados do ontem e carregados ao longo dos ‘hojes’ transportados por outros tantos ‘amanhãs’.
É cada vez mais necessário libertar-se, vir à tona da água e respirar o ar fresco de quem encontra outro caminho que abraça como seu. 
Imagino o tempo nessas águas onde sou barco por vezes à deriva, por vezes remando com todas as forças da fé, outras sonhando que tenho o motor e vou mais rápido mas sem pressa. Afinal beleza do tempo está no nosso modo de o olhar, se o olhar a partir do rio só vemos o sufoco das margens mas, se for partir das margens, conseguimos ver o tempo/rio tal como é no deslizar suave das águas. Cada cabelo branco, cada ruga é consequência  do seu embalo.

Sem comentários:

Enviar um comentário