segunda-feira, 6 de maio de 2019

Post.it: Faz parte de nós

Não é fácil falar com ela, ou melhor, é muito fácil. Porque conversa, e as palavras são torrente dum rio de inesgotáveis águas. Mas é difícil ouvi-la falar de si, da sua alegria, da sua tristeza. É difícil prender aquele olhar que saltita incapaz de se fixar muito tempo no mesmo lugar. Quase diria que deseja fugir para longe do embaraço de se confessar humana. Quando era pequenina, chamava-lhe libelinha, de tão pequenina, de tão irrequieta, de tão feliz. Hoje apenas a admiro no que fala e sobretudo no que cala.
Mesmo assim atrevo-me a perguntar-lhe…
- Se me perguntas, respondo-te. Não, já não vou lá. Nunca mais regressei a esse lugar que um dia idealizei, ninho. Num tempo em que me sentia voar. Porque voava realmente, no meu querer, no meu sonhar. Mas um dia descobri que para voar é preciso sentir que temos uma direcção. Que algures no horizonte há um lugar que espera por nós. Para quê retornar, ao que não tem retorno? Para quê abrir essa porta, se adivinho que por detrás dela nada encontro. Por vezes ainda hesito, toco ao de leve na “maçaneta da porta”, acaricio-a, como quem acaricia um sonho que não se concretizou. E por um momento espreita-se-me um suspiro dentro do peito. Mas depois, sigo o meu caminho. Gostava de saber pintar, idealizaria uma pintura de Monet e  nesse quadro colocaria todas as cores e contornos do meu sonho. Depois colocava-o na parede e ficaria a voar nas asas das emoções que ele me transmitia. Se soubesse tocar, comporia um nocturno que lembraria Chopin, em notas que soariam semelhantes a gotas de chuva a cair sobre a janela. Essa janela que se manteve sempre fechada ao meu tímido voar.
- Se me perguntas respondo-te, não voltei a esse lugar, porque por vezes, é preciso aterrar e acreditar que um dia quando as asas encontrarem uma razão para voar, uma porta  que se abrirá ao meu querer. Uma janela que estará sempre receptiva ao sol e ao luar,  haverá um ninho que me vai querer aninhar. 
Mas ela voltará a esse lugar, tenho a certeza. Voltará quando já não lhe doer no peito essa lembrança. Faz parte de nós, o recordar, o sonhar, o querer voar. Faz parte de nós a ambição de ir mais além. Lutando contra a finitude que a nossa condição nos impõe. Faz parte de nós conquistar a felicidade, esteja ela onde estiver…


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