quarta-feira, 4 de abril de 2018

Post.it: O pescador

Um dia, promete-me que irás contar-me o teu segredo, esse que te faz sorrir como se conhecesses todos os mistérios do universo. Um dia ainda me irás contar o que te faz contemplar cada dia com o olhar ainda maravilhado, como se fosses uma criança que só agora começa a descobrir a vida.
Um dia irás revelar-me a fonte de ternura que tens dentro de ti, de onde ela vem, que foz leva até esse rio caminho para o mar e a torna assim tão imensa,  tão inesgotável.
Diz-me por palavras, por gestos, por silêncios tão cheios de conversas, aí onde me desvendas quem és, nessa tranquilidade e nessa harmonia de existir.
Porque uns passam sem ver quem os rodeia, outros passam simplesmente sem ser vistos.
Uns e outros passam. Uns e outros ficam, algures, na história ainda que célere da nossa memória.
 “O que importa é a passagem e não o passar”, diz empertigado um intelectual com ares de filosofia egocêntrica e pouco, muito pouco metafisica.
O velho pescador não se perde em devaneios, ele que é, um mar com um rosto queimado de sol, com olhos cansados ainda conservam o olhar de farol cuja luz que se estende para lá do horizonte, já pouco ou nada tem para dizer, tudo lhe fica em silêncio no peito.
“Sei lá o que importa”, murmura com voz cavernosa de tantos cigarros chupados enquanto espera que o peixe morda o isco.
Talvez apenas o ar que nos enche os pulmões, o sol que nos inunda o olhar, as nuvens que nos são suaves sombras. Tudo o resto é filosofia, tudo o resto é fantasia. “Tudo o resto é gente nesta ilha que somos”. E o que somos é um pouco de tudo e um pouco de nada, como “o oceano que contém a gota de água mas também a gota de água contém o oceano”, nós contemos a pessoa humana, mas também a pessoa humana contém a humanidade.
“O que importa é passar, sinal de que se esteve”, comenta o velho lobo-do-mar enquanto remenda a rede de pesca.


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