sexta-feira, 13 de abril de 2018

Post.it: Essa menina

Às vezes, sinto-me a menina que nunca fui. Com uma flor no cabelo, de saia florida, sapatinhos brancos e gestos de inspirada bailarina rodopiando sobre a relva. Às vezes sinto-me a criança que nunca fui, correndo num jardim, feliz, tão feliz que quase podia voar e ficar no céu a pairar na companhia das gaivotas. Uma menina que cresce sem mágoa, que tem no rosto o sorriso infantil de quem nada sabe da vida e acredita que tudo não passa de uma brincadeira. Só com a  preocupação de construir  casinhas de legos, arrumar as de panelinhas e fazer chás para as bonecas.
E à noite com o cansaço de quem teve tempo para brincar,  adormecer numa cama fofa como se fosse uma nuvem, num quarto que tem nas paredes desenhos de prados e animais da quinta e no tecto quando a luz se apaga cintilam luminosas  estrelinhas.
Dormir embalada pela  voz melodiosa de  quem conta uma história de aventuras de animais que são heróis, não por terem super-poderes mas porque ajudam os amigos sempre que eles estão em perigo.
Às vezes procuro por essa criança, algures,  dentro do peito, nos confins da memória, enquanto me olho no espelho em busca do sorriso dessa menina. Imagino-me, porque só a imaginação assim me consegue ver, só ela me consegue encontrar por entre os meandros da minha história, a minha verdadeira história.
Então rasgo cada recordação e escrevo em mim a menina que queria ter sido. Conto-me histórias e adormeço a sonhar com elas. Um dia vou ser essa menina e a flor no cabelo lembrar-me-á aquela eterna primavera, a saia florida dançará ao vento, e eu, pobre de mim tão pouco habilidosa para as artes da dança, ganho jeito e danço finalmente nas asas de uma gaivota. Com ela elevo-me até aquela estrela que nas alturas celestes me guia à noite e consigo vê-la mesmo de dia, dizem que é a alma de alguém que gosta de nós, por isso, gosto dela, mesmo sem lhe conhecer o nome.
Às vezes, sinto-me a menina que não fui, sinto-a pulando-me no peito, rindo-se nos meus olhos, estendendo-me as mãos e dizendo-me baixinho, que ainda temos muito que brincar antes que a noite chegue, antes que adormeça para no dia seguinte ao despertar voltar a ser, apenas o que sou.
Mas algures entre a linha do horizonte e a infinitude da vontade, lá, onde não existem delimitações temporais, por um breve instante, sou essa menina, acredito que sim, mesmo que seja apenas num sonho.


Sem comentários:

Enviar um comentário