sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Post.it: Ilumina-me

(Ana Clara), não é esse exactamente o meu nome, mas durante muitos anos saboreei-o, escutei-o da boca da minha prima, nunca mais o ouvirei da sua voz que foi repentinamente silenciada pela foice contundente do intemporal. Parece foi hoje, que ainda a escuto, de vez em quando dentro da lembrança, “Ana Clara, que vive escondida na sua penumbra, eu sei, ai como sei a luz que te brilha no peito mas que fechas no olhar”, e eu sorria, bem, nem chegava a ser um sorriso o que lhe oferecia com enorme constrangimento, era mais o desenho de uma linha tosca no rosto de expressões fugidias.
Descobri muito cedo que um sorriso pode ser a resposta para tudo, para o que se diz e sobretudo para o que se cala. E eu calava, calava, porque, talvez, não o conseguisse falar, ou por achar que ninguém me queria escutar. “Ana Clara”, quem me dera ser ‘clara’, de ser um sol que consegue brilhar sem medo de ser demasiado luminosa, demasiado reveladora, do eu interior, esse que pouco importa aos outros.
Não, não me imaginem escabrosa de pensamentos ou desejos pecaminosos, de ideias proibidas, de actos vergonhosos, era apenas, tão ternamente e ingenuamente, infantil.
Mas receava o choque de uma alma desnudada e ávida por se anunciar um ser capaz de voar, de sonhar sem temer o sonho. Ansiosa por gritar a plenos pulmões os ideais, as formas, os horizontes infinitos de afectos. Mas quem, quem parava um segundo para me ver, escutar, ler, para caminhar em passo pequeno, porque eu era ainda pequena, ainda que grande, demasiado grande para caber na intensidade do meu coração, então extravasava dele, e escrevia, escrevia, rios de tinta, mares do meu estranho e alegre descontentamento.
Porque na dissonância dos passos, na desarmonia dos sentimentos,  por impossível que possa parecer, consegue-se ser feliz.
No meu mundo exclusivo, de espaços serenos, nos meus lugares secretos, escondia-me das guerras exteriores e era, sem o saber, imensamente feliz.
“Ana Clara”, tenho saudades de te ouvir chamar-me assim, porque na verdade, os anos, escureceram-me e hoje a penumbra tornou-se numa agradável companhia. De vez em quando ainda perscruto um raio de sol a espreitar-me de mansinho nas janelas do olhar, ainda descubro no risco informe do sorriso, um sopro de luminosidade emergente e sinto, por um instante que seja, sinto que sou a Ana Clara que resgatavas dos labirintos do meu viver.
Também eu gostava de te chamar “Ana Clara” mas temo que não me escutes, por isso fica-me a esperança cada vez mais ténue de que um dia me ilumines com a luz que só tu possuis, mesmo que o não saibas, porque sem saberes tu foste para mim a claridade mais resplandecente de um universo a que me era débil de luz e de amor. 
Farias anos hoje, ou melhor, continuas a fazer anos nesta data, porque as velas do teu bolo de aniversário continuam acesas na minha lembrança.

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