segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Post.it: O tempo pára

Quantas pessoas têm tempo para apreciar o tempo? Não o tempo a passar mas o tempo a pousar como se fosse um pássaro sobre o ramo da árvore da vida?
Poucas e no entanto o dia tem para todos, as mesmas horas, os mesmos dias, (às vezes) os mesmos meses, (às vezes) os mesmos anos.
 Todos temos tarefas, rotinas, os que têm muitas, encaixam-nas arrumadinhas em cada canto dos segundos, as que têm poucas (mas para si, sempre demasiadas), espalham-nas na desordem das horas. Depois, queixam-se que o tempo “voa”, que nem dão por ele passar. “Ainda ontem tinha 20 anos, hoje já tenho 80, como o tempo passa”, suspiram.
E no entanto há momentos em que o tempo parece parar e pousar sobre o nosso ombro sussurrando-nos melodias de vento. Mas nem um cabelo se agita, a vida de repente parece-nos um dos mais belos quadros de Renoir.
 O rosto de linhas suaves, os olhos parados querem beber o azul celeste, os lábios calados esboçam um quase sorriso de Mona Lisa, os ombros encaixam-se deleitosos no recosto da poltrona, parecem leves como quem se libertou do peso do seu viver, os braços em descanso, descem como um rio de graciosos contornos até ao seu leito/regaço para revelarem no seu términos duas mãos com dedos entrelaçados num abraço de quem reconhece e agradece a companhia partilhada.
As pernas surgem contraídas, numa posição rectilínea de tensão nervosa, os pés alinham-se sem se tocar, indiciando no entanto, o desejo de passos, de quem ainda  não desistiu totalmente do caminho, mesmo quando o corpo se entrega a um magistral cansaço, pés que irrequietos na sua aparente quietude revelam o desejo de continuar a palmilhar a vida. Para onde? Em frente, sempre em frente, há de ir dar a algum lugar..
Ao lado da poltrona, no chão, jaz um lenço, terá caído, terá sido abandonado, rejeitado? É um lenço de companhia que as senhoras gostam de usar para tornar discreto qualquer gesto necessário de ser feito.
Mas aquele lenço, ainda novo nas suas funções, identificável pelos os vincos engomados que trouxe da loja e no entanto já está no chão, caído, esquecido? Não, um olhar mais atento faz a sua revelação, por entre o bordado florido, uma lágrima, um quase lago tocando as flores. 
Uma história que só o tempo contará a quem tiver tempo de a ouvir. Podemos contudo acrescentar à contemplação que, o  tempo pára, mas pára mesmo, não só para quem parte, mas por momentos, também para quem fica.

Sem comentários:

Enviar um comentário