quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Onde está a esperança?

Um vazio, um nada assustador crescia, minava-o e deixava-o à beira da queda sem volta.
Lembrava-se do nada que, na História Interminável, ia invadindo o reino de Fantasia. De como ele se expandia e engolia e deixava atrás de si, o vazio. 
Fora um menino Atreyu que o vencera. Que, depois de muitas provas e obstáculos, muitos riscos e de quase morrer, descobrira a razão do tal nada que esvaziava Fantasia e ameaçava a vida da sua princesa. 
Uma razão simples, mas tão poderosa: a esperança estava a desaparecer do coração das pessoas e elas já não sonhavam, já não acreditavam.
E, assim, desaparecia um reino, por falta de esperança!   
Vira o filme, relera o livro e julgara ter compreendido a mensagem: a esperança é que motiva e move, a esperança é que faz viver.
Nessa época gloriosa dos “trintas” com os filhos pequenos, com uma vida longa pela frente (assim esperava) acreditava que nunca deixaria morrer a esperança em si! Tantos projectos tinha e de tal modo gostava de viver!
Ainda esperava tudo da vida. Não, não desejava ser rico, nem famoso, nem alcançar grandes feitos.
Apenas poder ganhar o necessário para criar e educar dignamente os filhos, vê-los crescidos, a tomarem conta de si próprios e a serem pessoas de bem.
Apenas poder contar com um futuro que o seu esforço e as suas contribuições lhe prometiam.
Apenas poder amar e ser amado, como o seu coração desejava e merecia.
E, nessa época, tudo isso lhe parecia tão simples, tão natural, tão espectável, tão alcançável.
Nessa época, a esperança era possível. Pela idade, pelo caminho de crescimento em que o país parecia ter finalmente embarcado, à boleia de uma Europa que considerava sólida e, depois de duas guerras, finalmente sábia.
E, sobretudo, havia ainda tantos anos pela frente! O seu coração tinha ainda tanto tempo! Havia ainda tantas possibilidades!
Mas … 20 anos passaram... Depois de tanto caminho feito, percebera dolorosamente o real significado do nada que ameaçava Fantasia. Porém, agora, esse reino era dentro de si e estava a ser invadido, a transformar-se em nada, em vazio.
Não, não perdera a esperança. Ela é que se fora embora.
Levara-a a falta de caminho para os filhos, num país saqueado e à deriva.
Levara-a a falta de um futuro para si, com as suas contribuições desbaratadas pelos salteadores ou piratas que se arvoram em donos de tudo e de todos, que mandam e desmandam, sempre em seu proveito e raramente a pensar no bem comum.
Levara-a a perspectiva de trabalhar até morrer, se tiver a sorte de não ser despedido.
Levara-a o passar dos anos sem encontrar resposta à capacidade de amar e de se dar.
Um dia acordara e descobrira o nada dentro de si. 
O seu vazio, o seu cheiro, a sua náusea, a sua escuridão.
Agora, luta diariamente por vencê-lo, percorre todos os caminhos em busca da esperança. Em vão. Ela não se deixa encontrar, ou talvez tenha emigrado.
Agora, já não conta com a vida toda pela frente. Vê-a atrás de si e resta tão pouco tempo para ainda sonhar e acreditar!
Mais uma vez acordou sozinho. Sentiu o nada a alastrar, o vazio a crescer.
"Onde estás esperança?"
Só o nada respondeu.
Sentiu-se perdido.
Como viver mais um dia sem esperança, sem a sua promessa de que tudo vai correr bem?