sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Era uma vez: Sei de uma árvore.

Sei de uma árvore!
É alta, parece ainda forte e frondosa, como a querer tocar o céu e abraçar o sol.
Às vezes também olha para baixo e descobre a penumbra da sua sombra, as pequenas fendas que vão rasgando o tronco e as rugas cada vez mais fundas do seu casco.
Se o vento sopra mais forte, sente que já não o enfrenta com a mesma firmeza.
Se o sol se entusiasma no seu luminar, percebe que as folhas já se vão encarquilhando e deixando que finos raios cheguem ao chão, onde começam a despontar pequenas flores e ervas de um verde mais tenro.
Recorda os anos de juventude, em que o seu olhar se voltava apenas para cima, em busca da luz e do céu.
Depois, começaram a aparecer as flores, depois os frutos que, em cada ano, amadureciam e saciavam as aves, os pequenos roedores que subiam sem esforço pelo seu tronco ainda liso, e enchiam de alegria o agricultor, que vinha, de vez em quando, alisar a terra e cuidar para que as suas raízes estivessem sempre cobertas e que as ervas daninhas e os insectos nocivos ficassem sempre longe.
Foram anos felizes, de crescimento e esperança, ainda de olhar o céu, com uma ou outra olhadela ao chão, que não desistia de a chamar e atrair.
Nem se apercebeu do tempo passar, tão ocupada estava em procurar o céu, cuidar das flores, esperar os frutos, oferecê-los e sentir a alegria e o bem que ofereciam.
O agricultor deixou de vir. Passou a vir o filho. Depois vinha o neto
Foi feliz!
Sem dar conta, o tronco tinha engrossado e enrugado. A seiva subia mais lentamente. As flores demoravam e floriam cada vez menos. Os frutos eram em menor número e menos suculentos. O neto do agricultor vinha cada vez mais espaçadamente, até que envelheceu e mais ninguém veio.
Só as aves continuavam a querer os seus ramos e o sol continuava a acariciar as suas folhas, com o mesmo calor e a iluminar a sua copa com o mesmo entusiasmo.
Ainda era alta. Parecia forte e frondosa, mas já não tinha o mesmo vigor, já não dava os mesmos frutos.
Mas não entristeceu.
Vira outras vidas nascer, crescer e transformar-se em nova vida.
Crescera, oferecera a sua sombra, o seu tronco, os seus ramos, as suas folhas.
Tinha florido e amadurecido frutos vezes sem conta.
Oferecera-os todos. Vira a alegria com que tinham sido recebidos e compreendera a felicidade.
E ainda tinha o sol.
E tinha o chão.
Dera-lhe sempre pouca atenção e, agora, finalmente, respondia à sua voz e percebia que fora sempre ele o seu grande sustento.
E tornou-se amigo do chão.
Ainda é feliz!
Já não procura tanto o céu e o sol. Descobriu que eles estão já dentro de si, fazem parte do seu tronco enrugado, dos seus ramos que começam a decair, das suas folhas que já deixam passar a luz.
E tem o chão.
E  a luz que ilumina a terra e as suas raízes à superfície.
A mesma luz que faz nascer a erva mais verde e anima as flores a multplicarem-se e dá energia às borboletas, joaninhas e abelhas, que esvoaçam numa dança sem fim e lhe prendem os olhos e lhe enchem o coração.
Enche-se de alegria.
É uma alegria diferente, menos de si e mais dos outros.
É a alegria da vida recebida, saboreada e oferecida.
Agora, sim. É verdadeiramente feliz!