segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Post.it: Uma mulher "feia"


“Já estou tão habituada a esta feiura que até me parece bela”. E quando me dizem ao passar “és tão feia” esse piropo que seria de impiedosa crítica soa-me a elogio de quem me vê, de quem me olha ao passar sem me ter indiferença.
E sorrio, sorrio sempre, (daí as minhas rugas bem dispostas), sorrio porque afinal há muitas pessoas que sendo belas, ninguém lhes liga, e passam como se não passassem, deixando a rua vazia. Vão sozinhas, tristemente bamboleando a sua vaidade, num desfile de mágoas. Quem lhes oferece um piropo, quem lhes oferece um olhar? Poucos, muito poucos, porque tal beleza não chega a ofuscar o sol, é efémera, é fugaz, é preciso mostra-la hoje porque quem sabe amanhã já se terá desfeito.
Quanto a mim, confesso, que feliz sou por me ver em tantos olhos que param nos meus, recebo até sorrisos dos homens por generosa ternura (talvez lhes lembre uma avó já distante, um colo, um aconchego. As avós não precisam de ser belas, elegantes, finórias, só precisam de ter rugas macias, mãos quentes e suaves abraços). Quanto às mulheres que comigo se cruzam, vejo-lhes regozijo no rosto, satisfação, segurança, uma certeza que lhes diz que são mais belas do que eu, que não lhes “roubo” os maridos, namorados, “amigos”. Sou apenas uma mulher feia.
De manhã olho-me no espelho, o seu reflexo amigo há muito que já não faz apreciações sobre a minha imagem, olha-me num silêncio  conciliador, de uma amizade de anos, muitos e muitos anos, por educação escusamo-nos a reflectir quantos são, nesse entretanto, conquistámos o respeito e admiração um do outro.
Nunca casei, nunca tive amores correspondidos, talvez por ser feia. Tive filhos, muitos filhos, todos das vizinhas, das colegas, das amigas, todos me acharam linda, (ainda acham) filhos do coração, que só com o coração me conseguem ver.
Um dia partirei, eu e a minha feiura, eu e o meu sorriso, eu e o meu abraço que a tantos abraçou. Partirei com tranquilas certezas, fui o que quis ser,  como quis ser. Se me perguntassem se queria ser bela, responderia sem mentir que “sim” mas só o desejei quando era nova, a vida revela-nos pouco a pouco a razão do que somos, se fosse “bela” nunca teria tido tantos e sinceros amigos. Não, não vou começar a dissertar floreados e lirismos, vãs retóricas sobre a beleza interior, vou apenas dizer que quem me amou conhecia-me nos valores que não são efémeros no tempo. 
Um dia, sim, lembro-me de um dia em que alguém com voz profunda e verdadeira disse-me ao ouvido, “és a mulher mais bonita que já conheci”, ofereci-lhe uma gargalhada cristalina de amizade, mas por dentro chorei, o pranto de tantos anos de espera por alguém que não só olhasse, alguém que também sentisse. Então amei-o, amei-o a vida inteira, mesmo quando seguimos caminhos diferentes, amei-o, porque sem saber ele ensinou-me também a amar-me. Continuo a ser feia mas a verdade é que às vezes, por um instante, quando me olho nos olhos, sinto-me “a mulher mais bonita que já conheci”.