segunda-feira, 5 de maio de 2014

Post.it: Morada de vida

Nova semana, nova vida? E porque não? Por vezes, as mudanças acontecem, sobretudo quando não as esperamos. E, se forem boas, são sempre bem vindas. Mas o melhor é encarar o dia com a preguiça saborosa de sempre, abrir um olho e depois o outro, espreitar o dia, escutar o silêncio. Este pequeno instante, antes de as portas começarem a abrir e a bater com maior ou menor violência, o motor dos carros, os passos apressados, as birras de sono das crianças. Só o Micas, o cão da minha vizinha, salta e rodopia, feliz por estar vivo, por ir passear, cheirar as flores, cumprimentar o sol.
Enquanto nós continuamos a despertar cada parte do nosso corpo, depois dos olhos, os braços e as pernas, os pés que se fincam no chão e esperam a ordem de um cérebro dormente, que lhes diga para onde seguir. E lá vão sem saltos nem rodopios. Como invejo o Micas e a sua alegria. Respiro fundo, encho o peito de ar e espero que ao conjunto químico seja acrescentado um pouco de esperança. Esperança de que hoje, nem que seja só por hoje, as pessoas vão cumprimentar-se com um sorriso, sem atropelos na corrida de chegar o mais depressa possível ao final do dia, ao regresso. Porque a alegria de partir, de abandonar o leito que nos abraça é a promessa de um regresso.
E quando me questiono sobre o que fazemos aqui, não tenho resposta, não daquelas eruditas, metafísicas. Sinto apenas que estamos aqui para voltar ao nosso lugar. Um lugar que é nosso, que nos recebe, que nos aconchega, que nos protege, que se molda a nós, que reflete os nossos gostos, um pouco do que somos e o muito do que desejaríamos ser, talvez mais organizados, mais amplos de luz e espaço. E quando aquela porta se abre, quando o cheiro de morada nos invade a alma, entramos sem pressa, só para sentir a suavidade de cada passo, a certeza de que estamos aqui, talvez sem grande missão, quem sabe não por muito tempo, talvez sem uma grande meta, mas para regressar ao útero de vida a que chamamos lar e outras espécies, ninho, gruta, porto seguro...
Não se mede em metros quadrados, nem pelos objetos de decoração, mas pela vida que pulsa nela, a nossa. Sem a nossa morada não passamos de nómadas, perdidos de nós em busca de um luar que não nos gele e de um sol que não nos queime a réstia de esperança e de dignidade humana.
Por tudo isto, despertamos, abrimos um olho e depois o outro, colocamos os pés no chão e caminhamos para aquele abraço humanizado com o nosso calor e cada passo que damos é na direção do mais feliz regresso.