Fez
anos ontem, apagou as velas e nesse mesmo instante partiu/fugiu, claro que
fisicamente só o fez no dia seguinte, pegou numa mochila encheu-a com algumas
peças de roupa e saiu em silêncio, sem deixar qualquer explicação. Não a tinha
para dar, nem ele sabia bem o que dizer, nem ele sabia bem do que fugia, apenas
sentia que era a última oportunidade de mudar o rumo dos seus dias.
O
comboio começou a avançar devagar, sentiu um frio no estômago, uma felicidade,
uma alegria de ter vencido o seu comodismo, de ter tomado a iniciativa daquele
gesto. Pensou no emprego, na secretária vazia e sentiu-se livre. Pensou na
mulher, imaginou-a atordoada de surpresa, e o peito apertou-se-lhe de uma
estranha saudade. Pensou nos filhos, imaginou-os como sempre, indiferentes,
pegando contrariados nas mochilas da escola e perguntado num tom de desapego “E
agora quem é que nos vai levar à escola?”. Sentiu o peso do fracasso, sentia-se
sempre assim quando olhava para a distância que aumentava entre ele e os filhos,
sentia que o tempo lhos roubara e agarrava-se às lembranças dos seus primeiros
anos para não os deixar fugir do peito.
Fechou
os olhos, quis esquecer a culpa e apenas sonhar com a luz que lhe iluminava o
túnel de uma nova vida.
Quando
anunciaram o final da linha, despertou do seu torpor, saiu do comboio, olhou em
redor e em vez de uma felicidade nascente, sentiu um vazio que lhe bateu forte
no coração, de repente não conseguia respirar, não conseguia andar. De repente
sentia que lhe tinham arrancado a vida, não a que iniciava agora, mas aquela
que começara a construir ao longo do tempo. Pouco a pouco foi acalmando a
explosão de emoções, foi percebendo que não adiantava fugir, porque era nele
que residia o problema e também a solução.
Então, como que desesperado, correu para
o comboio retomou a viagem, não uma viagem de fuga mas de reencontro. Compreendeu
finalmente que a felicidade do futuro estava algures onde a tinha deixado, no
passado, só tinha que a ir buscar. Só tinha que voltar a abraçar como antes,
rir como antes, acreditar como antes, amar como antes.