Sou
uma pessoa arrumada, talvez excessivamente arrumada. Gosto de caixas, de
caixinhas, de gavetas e de gavetinhas. Tenho de ser arrumada porque gosto de
guardar tudo, já que tudo são recordações, contam histórias, momentos áureos de um brilho especial.
E mesmo que hoje já tenham perdido a cor e sobretudo a sua função.
Como
vou deitá-las fora, abandoná-las só porque estão velhas, só porque já não têm
beleza, só porque já não me ligam à pessoa que as ofereceu, só porque a
lembrança de uma outra pessoa me magoa através dos objetos que nos uniram.
Sou
incapaz de me separar delas, de as deixar órfãs, sem a carícia de um olhar, sem
o toque sereno de uma lembrança, como se
me posso separar desse pedacinho de mim, arrumo-as em caixas e caixotes de onde talvez
nunca mais de as volte a retirar. Mas dá-me tranquilidade sabê-las ali, para
um dia em que precise delas para receber um abraço da lembrança, para compor
com elas o puzzle da minha vida.
“São
apenas coisas”, dizem-me com uma indiferença que me magoa. “Objectos velhos,
estragados, partidos, esbatidos na sua cor, amolgados”, para os vossos olhos
são apenas isso para mim são muito mais. São a infância que ainda ouço nas
gargalhadas felizes quando brincava com os meus primos. Aquela flor seca entre
as folhas de um livro, foi a primeira que romanticamente me deram, perdeu o
cheiro mas não o som das palavras que acompanharam a oferta.
E se um dia um ladrão me invadisse a casa, me
invadisse a alma, me despisse das minhas memórias, se me roubasse cada pedacinho
do que fui e que estava guardado nessas gavetas e caixas, que usurpasse o meu espaço tratando as minhas
“pequenas riquezas” com desdém e revolta por não valerem nada, por não significarem nada para si, mas
tanto para mim.
Ficaria mais pobre, porque são coisas, apenas coisas, pequenas coisas, muito
do que aprendi a ser, de tudo o que sou.