Já
me cansa a inércia dos dias, porque nascem e findam sem serem meus. Não os
possuo, não os conduzo, deixo-me levar por eles. Deixo-me navegar por eles sem
saber onde vão dar. A que mar, a que terra, mas sigo na esperança de alcançar
um lugar a que chamar meu e nele aconchegar a vida, e nele repousar os
sonhos, e nele afastar os medos, e a ele
confiar o coração, e a ele entregar o perdão.
Já
me atormenta esta apatia dos meses que não trazem mudança de vida, quando
muito, trazem a mudança de estação e mesmo essa mostra-se confusa, quando fica
sol no inverno e chove no verão, quando as flores tardam em florir e o frio em
partir.
Já
me devora este marasmo de vento que vai e volta com se não tivesse lugar
especifico onde ir, como se rodopiasse à toa, como se fosse no oceano uma
pequeniníssima canoa.
Fatiga
esta indolência das horas que marcam num compasso rígido de medo cumprindo um
ritual quase místico de seguir sempre ao mesmo ritmo para não se perder e ficar
sem marcação, sem compasso, sem perceber qual é o seu espaço.
Já
me enfada letargia dos anos, presentes que se desembrulham já sem criar
expectativa, quase como se conhecêssemos o seu conteúdo.
Mas
de repente a terra abana, um vulcão solta um grito da suas entranhas e o eco da
montanha repete-o de uma forma uivante, então o mar acalma as suas ondas, desce
de mansinho sobre o areal.
Um
trovão junta-se ao apelo envia raios de luz para iluminar a escuridão de quem
nela se deixou aprisionar. Uma árvore tomba e faz a ponte entre as margens para
que não exista qualquer fronteira.
Por
fim um silêncio, um silêncio diferente daquele que nos fatigava de rotina os
sentidos. Os pássaros entoam uma melodia, o riacho acompanha numa entoação que
não destoa e a canoa lança ancora num cais de abrigo. Uns braços erguem-se para
a vida, para a esperança, para o recomeço, para o despertar do dia que venceu a
inércia e renasceu.