“Não
sei se gosto ou se não gosto, vamos andando. Acho que gosto afinal cá estou de
plantão todos os dias à porta serviço, empresto-lhe um beijo, dispenso-lhe
vagamente o olhar, está ficar velha, flácida, não lhe conhecia aquela ruga, nem
nenhuma das outras. Na verdade, nem dou por isso. Aprecio a sua companhia,
sobretudo se não me atazanar a paciência com queixumes. Que diga-se em boa
verdade, são cada vez em maior número. Eu sou, homem, e os homens não se
queixam, nem pensam nisso. Apreciam o momento, não o detalhe. Mas gosto dela,
afinal lembro-me, ou melhor lembra-me a minha secretária do seu dia de anos.
Trago-lhe sempre um ramo de flores, não consigo encomendar mais nada, não
consigo perceber o gosto das mulheres, roupas, perfumes, cremes, jóias de
pechisbeque. Tenho atenção às datas que ela considera essenciais, o Natal…
sinceramente nunca me lembro do dia em que nos conhecemos, nem do dia em que
casámos, desculpo-me perante a sua tristeza, garantindo-lhe que aprecio mais o
presente que o passado, será que ela acredita, não penso nisso. Só quero estar
aqui, nem sequer sou homem de andar armado em garanhão, já ultrapassei essa
fase. Só quero ter um lar, um sorriso, uma conversa amena, à noite amar,
adormecer e acordar. Paixão, felicidade? Não sei, não penso nisso…”
“Por
vezes pergunto-me de que são feitas as relações, os casamentos, aqueles que se
perdem na rotina dos dias, dos anos. Pergunto-me se ele ainda gosta de mim e se
eu ainda gosto dele. Habituei-me à sua presença, à sua atenção de me vir buscar
ao emprego, de me beijar, de me deitar um olhar de admiração, ou desejo? Não sei
bem, já não distingo, habituei-me à sua solidez, à sua tranquilidade. À certeza
da sua presença. Deve gostar de mim, afinal, lembra-se sempre do meu
aniversário e de outras datas, traz-me sempre um lindo ramo de flores e diz que
são para a mais bela flor. E eu acredito, preciso de acreditar nesta comunhão
de vida, nesta construção de um lar, neste caminho que jurámos seguir juntos
pela existência fora. É verdade que por vezes ele se esquece dos detalhes, que
não valoriza certos momentos que eu recordo como se fosse hoje, o dia em que
nos conhecemos, o dia em que me pediu em casamento e eu de voz embargada só
consegui chorar de felicidade. Onde está essa felicidade que ele já esqueceu?
Rapidamente abraça-me e responde num tom que me começa a soar cada vez mais
vazio, que não se lembra porque só o presente e o futuro lhe importa.
No
fundo, acho que ele nem pensa nisso…”