“Se
encontrares erros aprende com eles. Não tentes mudar, nem impor a tua
gramática, a tua lógica de armários bem arrumados, de gavetas imaculadamente
alinhadas. Somos iguais, mas tão diferentes. Eu danço na chuva enquanto tu te
escondes dela. Eu procuro a sombra, tu queres brilhar.
Se
encontrares erros não os corrijas, são a minha maneira desordenada de pensar,
de sentir, mas bem organizada onde é necessário, aqui, dentro do peito.
Talvez
não diga o que queres ouvir, talvez não escreva o que queres ler, mas
ofereço-te tudo isso em cada abraço que permanece aberto à espera para te
aconchegar.
Se
encontrares erros, não os apontes, não sou perfeita, sou apenas aquela pessoa
que se senta ao teu lado, que te ampara nos momentos em que precisas, que te
escuta o tempo que tu quiseres, que sabe a hora de chegar, que sabe a hora de
partir. Que quando está, está inteira, que quando sente, é verdadeira.
Sou
aquela que não te conhece erros, apenas aquilo que és. Mesmo que dês pontapés
na gramática, que violes todos os acordos ortográficos, que troques as letras,
que atropeles as palavras, vou sempre entender-te nas entrelinhas do que
escreveres, vou escutar-te no meio dos teus silêncios, porque uma convicção se
ergue firme em cada amanhecer como uma bandeira que se desenrola no estandarte
do horizonte, nunca serás o maior erro da minha vida, mas antes a minha, mais
plena certeza.”
Escreveu
tudo isto num talão do multibanco, escreveu-o com pressa, entre o nevoeiro do
olhar que afastava com impaciência, e os cabelos que lhe toldavam a visão. Era
um desabafo silencioso, um grito sufocado que se libertava na velocidade da
escrita. De repente levantou-se, amarrotou o papel com raiva, com mágoa e
atirou-o para o chão, saiu do autocarro num ápice de fuga. Apanhei o papel,
pensei que talvez o tivesse deixado simplesmente cair, quis chama-la, mas já
tinha desaparecido na multidão.
Desembrulhei-o
com receio de estar a cometer uma inconfidência, mas quem sabe contivesse uma
pista para o devolver. Li-o, entendi-o, percebi que tinha tido coragem para o escrever mais
faltara-lhe essa mesma coragem para o dar a ler, numa contestação, numa
revelação. Voltei a amarrota-lo, coloquei-o no cesto dos papeis, com a
esperança de que ele fosse apenas o ensaio do que iria passar para a oralidade
e não apenas mais uma mágoa emudecida.
Afinal,
quantos sons não existem calados à espera de ânimo, de audácia, para
ultrapassar os seus medos e conquistar o direito, a liberdade de ser-se quem se
é?…