Sempre
que ia ao Porto e ia quinzenalmente, lá estava ele na estação de comboios curiosamente não tinha o
olhar perdido que a idade avançada lhe poderia dar. Espreitava a cada chegada, deslocava os olhos por entre a multidão
até não restar mais ninguém dessa viagem. Dir-se-ia que esperava alguém. Alguém
que tardava, alguém que tinha perdido o comboio. Comecei a ficar curiosa,
fui-me aproximando, sentei-me a seu lado. “Está atrasado? Os comboios são
assim, nem sempre chegam na hora prevista”. Olhou-me, sorriu-me num gesto de
assentimento e voltou a perscrutar os rostos anónimos em busca de um que lhe
fosse familiar. E mais uma vez a estação ficou vazia, e mais uma vez suspirou.
“Há quanto tempo está à espera?”. “10 anos, 2 meses, 10 dias e algumas poucas
horas”. “Algumas poucas horas, que se tornaram muitas, demasiadas, talvez?”.
“Nunca são horas demais para quem acredita que a chegada vai acontecer”. “E o
que espera, um amor?” O meu pensamento já lhe desenhava uma novela repleta de
dramático romantismo. “Menina, eu lá tenho idade para esperar o amor! Espero a
minha filha, disse que ia ao Porto e que voltava, para a esperar e eu espero,
já não tenho ninguém, a mãe dela partiu para o céu, se não fosse pela minha
filha tinha partido com ela, mas tinha que cuidar da miúda que apenas tinha 8
anos. Criei-a, dei-lhe tudo o que pude. Levei-a à escola, cuidei das suas
febres, chorei quando tive de a deixar no hospital para ser operada ao
apendicite e mimei-a com tudo quando lá a fui buscar. Pintei-lhe o quarto de
cor-de-rosa, enchi-o de bonecas compradas na feira, o dinheiro não chegava para
barbies, mas ela nem deu pela diferença, era humilde, grata; era alegre,
inteligente, dizia que um dia seria médica para cuidar de mim na velhice, era
feliz… Até conhecer o Jorge que mora no Porto. Ele fazia-lhe cenas de ciúmes,
afastava-a de mim, roubou-lhe o sorriso, provocou-lhe lágrimas, tornou-a
infeliz. Bem que tentei abrir-lhe os olhos, mas dizia-se apaixonada. O amor não
é sofrimento, não é humilhação, o amor não nos faz mal e o que tu sentes pelo
Jorge magoa-te, magoa-me. Afasta-te dele, ele não te merece. Ela baixava os
olhos e dizia que sim com a cabeça. Até que um dia viemos até à estação,
apanhou o comboio para o Porto, foi falar com o Jorge, acabar tudo e regressar.
E eu espero-a aqui, ela vai regressar, vai trazer no rosto aquele sorriso com
que a vi crescer.
De
repente interrompeu o discurso, levantou-se num ápice. “ Desculpe, agora não
posso conversar mais consigo, chegou um comboio.”
E
lá foi até ao apeadeiro para receber quem nunca chega. Levando no rosto um
sorriso de esperança que, imagino, seja igual ao que a filha herdou, se é que
ela, esteja onde estiver ainda o tem, pelo menos na lembrança…