Um
olhar da outra margem, olha para mim e não me vê e nessa ausência que significo,
devora-me a sombra com o seu sol.
A
minha imagem silenciosa fica suspensa na linha do horizonte, aqui onde o
deserto me habita, aí onde o nada me envolve. Quando apenas queria ser a
sua sombra, a sua protecção da
luminosidade escaldante, tornei-me na mais vaga metáfora, um sonho cravado na
dureza do mundo.
Este
nada, este ninguém, excepto vida vivida deste lado da margem. Pelo meio, um rio
do tamanho do mar. Claro que existem pontes, mas quem as atravessa? Eu, para me
perder nessa inexistência de caminho? Para uma margem que não se reconhece na
minha? Uma lágrima navega-me no rosto, cai-me no peito que se tornou rio sem
margem, sem ponte, sem céu, sem sol e sem luar.
Porque
brilhas astro rei incitando-me a sonhar, se o despertar nada traz de novo? O meu
cais contínua vazio, desses navios que
ao passar apenas me oferecem um aceno.
Sem
âncora, sem remos, sem leme, permaneço à deriva do meu próprio ser. E a tua
margem tão perto, tão perto que me fica cada vez mais longe.
Entre
o querer e o ser há este rio, este quase mar e uma margem que olha para mim sem
nunca me chamar.
O
que sou sem a outra margem, o que sou sem essa parte de mim, sem esse reino de
fantasia que me fez sonhar acordada, uma mulher, uma ilha, uma luz, uma
estrada...
A descoberta serena de que também há sol nesta margem, basta pousar,
deixar o nevoeiro passar e ver além do olhar...