Outro dia, fui visitar uma velha amiga. Considero-a
assim, porque o somos há muito anos, mas simultaneamente uma jovem amiga,
porque os seus 86 cultos anos, fazem-me sempre desejar, “quando for grande” ser
como ela. Noutros tempos os nossos memoráveis lanches eram feitos nas
pastelarias mais curiosas que descobríamos nos recantos de Lisboa, com scones
fumegantes e um vasto buffet de compotas, sem esquecer a interminável
lista de chás que nunca encontrei igual, um dia arrisquei a provar chá de fumo,
não era mau, mas nada substituí o clássico Lúcia-lima. Mas a companhia era tão
agradável que até trocava o meu vício de café pelo saboroso chá das 5.
Mas desta vez fui eu que levei o
lanche em jeito de piquenique, porque a minha amiga já pouco sai de casa, a
falta de vista, as dificuldades de locomoção, são para quem percorreu o mundo
uma autêntica prisão. Restam-lhe as recordações, porque a memória ainda lhe é
fiel e a generosidade de carácter não lhe rouba em momento algum a placidez e o
sorriso.
Neste dia falava-me ela com a sua ternura habitual, de
um acontecimento que lhe sucedera. “As coisas curiosas que a vida nos
proporciona”. Dizia-me ela ao relatar que reencontrou uma amiga que não via há
70 anos e que curiosamente, sem disso terem conhecimento moraram perto uma da
outra, frequentaram os mesmos lugares sem contudo se encontrarem. Só agora que
outra amiga comum fez a ponte, retomaram o contacto. Avivaram memórias, riram,
choraram das velhas histórias sentindo-as como se fossem novas. Um reencontro
feito pelo telefone, porque agora que vivem a cerca de 15 quilómetros de
distância uma da outra, elas que já palmilharam o mundo, não conseguem
ultrapassar essa curta distância que se tornou pelas suas limitações físicas,
uma imensidão quase intransponível. “Talvez um dia a minha filha me leve lá de
carro”, diz num suspiro, com o olhar brilhante de esperança.
Esta história apertou-me o coração, e
de repente dei por mim a questionar, de quantas amizades já me distanciei ou se
distanciaram de mim? Será que as vou reencontrar daqui a 70 anos? Cresce-me uma
angústia, uma saudade avassaladora.
Peço-te, estejas onde estiveres, não deixes que o
tempo se entreponha entre nós e crie uma tão longa extensão, um dia, talvez,
impossível de superar.
Não deixes que o silêncio seja uma
fronteira e que a memória se esqueça de nós.
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