Fez-se
ao mar nesse dia como o fazia todos os dias, todos os anos da sua vida. Fez-se
ao mar com o mesmo pensamento de todos os dias, o mesmo sonho de todas as
horas. Fez-se ao mar porque era pescador, mesmo quando regressava sem pescado.
Era alvo de olhares fulminantes, de risos gritantes, corpo de embate de
palavras pouco abonatórias. Mas ele parecia alheio às críticas agrestes, às
atitudes rudes e todos os dias fazia-se ao mar. “Mas que pescas tu se nada
trazes?”, o pescador sorria de uma felicidade que ninguém compreendia mas
invejava. Sem responder seguia com passos leves sobre o areal. E no dia
seguinte lá estava de novo, pronto para partir mar adentro. Alguns pescadores
mais curiosos seguiram-no num desses dias, esconderam-se numa enseada e
esperaram, sem saber o quê, mas esperam, pelo que esperava o pescador. Ouviram-no
rir, falar, apontar para o vazio da onda que passava, depois para a nuvem que
deslizava e, de seguida, estender os braços como se abraçasse o mar. Aproximaram-se
devagar, uns diziam que devia estar louco, que o melhor era regressarem para o
cais, mas os outros insistiram em ir até lá e escutar o que dizia o pescador.
“Com quem falas, alguma sereia? Tentaram brincar. “Falo com as ondas, falo com
as nuvens, com o meu amigo mar”. “E eles respondem?" Continuaram no mesmo tom
jocoso. “Respondem”, afirmou com ar convicto. “Que tonto és, claro que não
falam. Porque perdes tempo por aqui a falar com a água em vez de falares com os
homens?" “Porque os homens, julgam, criticam, condenam, sem tentar compreender,
o mar escuta pacientemente, embala, ampara e, solidário, murmura em eco o nosso
lamento. Os homens nada têm para me dizer enquanto que o mar tem tantas
histórias para contar”.