Lembro-me
daquele rosto firme que nunca esboçava um sorriso. Lembro-me do seu olhar com
expressão vazia, da sua voz cavernosa.
Lembro-me
dos seus passos pesados que se ouviam muito longe como se se anunciassem
antecipadamente.
Lembro-me
das suas mãos grandes, grossas, com as marcas da enxada cravadas na pele.
Lembro-me que cheirava mal, como eu a as outras crianças dizíamos irreflectidamente, só alguns anos mais tarde reconheci aquele odor a suor
noutros corpos cansado por trabalharem a terra de sol a sol. Não me lembro dos
seus cabelos, se eram negros ou brancos porque se escondiam sob o chapéu de
abas largas. Lembro-me de como nos gritava e perseguia numa pesada corrida
quando lhe invadíamos maroteiramente o pomar para roubar meia dúzia de maçãs
que comíamos deliciados.
E
lembro-me daquele dia em que um de nós mais assustado caiu de uma das suas
árvores e perdeu os sentidos. Então
aquele rosto que nunca esboçava um sorriso enrugou-se mais, o seu olhar perdeu
a habitual escuridão, a sua voz calou-se e nós sem saber se fugir ou se ficar,
trememos, não sei se por medo da dor do nosso amigo, se pelas lágrimas que
aquele homem ‘gigante’, chorou...