Resolvi "enterrar a cabeça na areia como a avestruz", dizem porque nunca a vi fazer tal
coisa, ou deixo a cabeça por entre as almofadas, já não consigo, ver e ouvir
tanto sofrimento à minha volta, tanta dor alheia, que anula a minha e sinto-me
pequenina, porque me dói o amor não correspondido, a solidão de quando estás
presente e ficas a ler o jornal sem nada dizer.
Já
não consigo olhar pela janela e ver aquela mulher à chuva, fazendo que passeia
o cão enquanto lança um olhar de ansiedade a uma janela de cortinas fechadas,
houve um dia que uma sombra passou junto das cortinas, então ela parou, em
suspenso, de qualquer movimento que não aconteceu, soltou um suspiro e lá
continuou na sua voltinha “dos tristes” ansiosos que alguém lhes roube a
tristeza já que lhe roubou anteriormente o coração sem nada lhe oferecer em
troca, nem um aceno, daquela janela de cortinas fechadas.
Já
não consigo acender a televisão e encontrar as mesmas notícias, de quem morreu,
de quem matou, roubou ou violou, de quem sucumbe à crise e da própria crise que
parece uma anaconda gigante serpenteando aqui e ali uma dor que nos saqueia
tudo, o corpo, a alma, os sonhos e nos deixa uma sensação sufocante de medo,
medo de que o nosso periclitante mundo de certezas colapse definitivamente.
Mas
tu, imperturbável a tudo, continuas a folhear o jornal, fazes uma pausa, estremeço,
anelante de uma palavra, de um gesto, a oferta de um momento nosso, mas viras a
página e prossegues a leitura num silêncio que invade toda a casa, que desce
das paredes e inunda-me o corpo como se fosse um cataclismo de emoções
sufocadas, há muito, há demasiado tempo. Volto para a janela, lá está aquela
mulher, observo-a, tento decifrar o enigma que é para mim a sua vida, continua
a chover mas ela parece não o sentir apesar do cabelo molhado, da roupa
encharcada, da alma submersa, o cão bem lhe deita um olhar apelativo com o pelo
ensopado, sacudindo-se de vez em quando, mas a esperança continua a move-la
todos os dias para junto daquela janela de cortinas fechadas, quer faça sol ou
chuva.
Já
não consigo, acender a televisão, já não consigo abrir a janela, nem olhar para
aquela presença tão ausente dentro da nossa casa, que já não consigo chamar de
Lar.
Apesar
de não a ver, imagino que aquela mulher continua lá, debaixo daquela mesma
janela. Porque há vidas que se repetem na dor, incapazes de seguir outro
caminho. Tal como há outras vidas que nunca abrem a cortina, nunca largam o
jornal, para nos dar um novo alento de felicidade. Felizmente que há outras,
muitas outras que rasgam os jornais, que escancaram as cortinas, que abrem
todas as janelas, que arejam o coração e desenham para elas um novo futuro.