–
Lembras-te do João? O filho da Marta? Que morava no 5º andar? – Sim, já me
lembro (vagamente), respondi enquanto pensava, ‘agora deve vir ai o resto da
história, casou, teve filhos, divorciou-se, detesto novelas!’ Bocejei por
dentro.
– Encontrei-o outro dia, está mais velho. ‘Claro,
continuei a pensar sem desviar os olhos do livro que estava a ler, afinal já se
passaram, 10, 20 anos, sei lá, não os ando a contar, resmunguei em pensamento,
por me impedirem o sossego da leitura’.
Houve
um silêncio, ‘o assunto deve ter acabado aqui’, suspirei.
– Tu não sabes…
Perante
o tom amargurado de voz, desprendi o olhar do livro, foquei-me curiosa no seu
rosto.
–
Tu não sabes, repetiu, o tempo não anda, nem sequer voa. Conheces aquela
sensação de quando pensamos que temos uma nota na carteira e afinal não temos?
‘Abanei
a cabeça num gesto de confirmação’ e ela continuou a sua divagação, – Sentimo-nos
roubados, porque não nos lembramos de ter gasto esse dinheiro. Foi assim que me
senti quando encontrei o João, casou-se, teve filhos, divorciou-se, está velho
e, ‘continuava a escuta-la sem entender a analogia do discurso, mas não quis interromper’
– No entanto. Continuou no mesmo tom melancólico. Ele é muito mais jovem que
eu, como estarei no seu olhar? Velha, certamente, muito velha, o que me
entristece, o que me revolta é que não dei pelo tempo passar, sinto que o
roubaram, que não o vivi ou, será que o perdi?
‘Tu
não sabes… digo-lhe em silêncio, ‘mas também me sinto por vezes assim, e sempre
que isso acontece, prometo que vou tomar mais atenção, para não perder, nem
deixar que me roubem de novo o tempo’.