Mais
uma história amarelecida nas cartas quase rasgadas de tanto serem lidas. Para
lembrar o que a memória parece esquecer, e desvanecer no tempo.
Recordações
que a vida teima em roubar-lhe discretamente. Insiste em escreve-la, rescreve-la
a cada momento que alguma lembrança lhe agita uma asa de despedida…
“Depois,
depois de tantos anos, se eu ainda aqui estiver, se tu ainda ai estiveres, quem
sabe também nós estaremos. Quem sabe nos encontraremos e, talvez, ficaremos por
fim no mesmo caminho. No mesmo destino que um dia nos fez encontrar e separar,
quase no mesmo instante. Por vontade de quem? Não nossa, mas do patamar de vida
em que estávamos. Tu no outro lado do rio, numa margem que não me chamou, que
não me abraçou, que se tornou uma fronteira de
tantas águas, de tantas mágoas. Esse rio do nosso encanto ou desencanto tornou-se
a única coisa que continuámos a ter em comum, e uma ponte por onde passou o
tempo, muito tempo…
E
agora? Agora que o cabelo branqueou, agora que o sorriso murchou. Agora que a
visão já é turva, que os passos caminham cansados. Agora que a minha mão já não
tem força para abraçar a tua. Agora que o ar me morre antes do beijo. Agora,
agora que mal me reconheço no espelho, e não sei sequer se te reconhecerei no
olhar. Procuro-te em fotos que perderam a cor de tanto lhes perscrutar o
silêncio das palavras que nunca foram ditas.
Depois,
depois de tantos anos, só o coração, o meu pobre coração, com os seus
batimentos irregulares, conserva ainda uma juventude alimentada pela esperança.
Essa longínqua esperança que a cada arritmia foge ao sopro da morte com um
alento de vida, essa vida que aguarda por ti.”
Uma
carta amarelecida, quase rasgada de tão gasta, de tão lida, de tão sentida.
Volto
a guardá-la no fundo da gaveta onde a encontrei, embrulhada carinhosamente num
lenço perfumado, com saudades de uma história que não é minha, mas que me dói
como se fosse…
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