segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Lágrimas

“As lágrimas lavam os olhos e limpam a alma!”
Um ditado, como tantos outros. 
Às vezes verdade outras nem tanto.
As lágrimas deixam os olhos salgados
Vermelhos, inchados
Ardidos e doridos pelas lágrimas que os lavaram.

E a alma?
Liberta-se só por um momento!
Uma lágrima chama outra e outra e outra
Tantas, tantas !
Um pranto de profunda dor
que deixa cair em lágrimas
os gritos que não pode gritar
as revoltas que minam e tem de calar.
os segredos que doem e não pode contar.

E a alma?
Fica limpa de tanto chorar?
Deixa cair a dor em pingos de sal a rolar
Mas não limpa, esvazia!
Porque são gotas de esperança a fugir
que deixam a alma pequena e a fazem mirrar.

E quando o pranto se cansa e se esgota o chorar
Secam-se as lágrimas e fica apenas o sal 
Tornam-se mágoas com arestas de cristal
Que se escondem e fingem sarar
Mas rasgam, cortam e abrem feridas que nunca vão fechar.
As lágrimas não aliviam nem curam
Só cansam os olhos
Estalam a pele
E nem impedem o coração de estoirar!

terça-feira, 17 de setembro de 2013

É o futuro

Voltar à escola
Que emoção!
Um mundo de caras novas
Passam, falam, riem…
Eu passo, chego.
Nem reparam em mim.
Sustenho a respiração.
Donde vêm?
Onde quererão ir?
Saberão?
É o futuro
À espreita
Em espera
Ainda por decidir.
Abro a porta.
Quererão vir?

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Setembro

Setembro
é especial
é início
é projecto
desejo de caminhar.

Mas é fim de verão
princípio de outono
e anuncia o inverno!

Sim, têm razão!
Mas é tempo de recomeçar!
a aprender
a trabalhar
a viver.
É tempo de acreditar no futuro.
Sim, aquele que temos de construir
se quisermos "passar"!

E para quem neste mês nasceu
é o tempo de festejar
a prenda que a vida lhes deu,
que a saibam aproveitar!

Para alguém muito especial
que a vida sabe merecer
que setembro seja mês feliz
por todos os anos que viver!

Nota: Uma pequena "prenda"para Olhares, pelo seu aniversário. Alguém que torna setembro e a vida muito mais luminosos. Parabéns por seres quem és!

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Ainda há quem tenha brio?

Palavra pequenina, a traduzir desejo grande:
  . querer fazer bem feito
  . aperfeiçoar-se, para evoluir, para fazer melhor!
Palavra pequenina para tão grande vontade!
Sinto falta deste brio em quase tudo:
  . Nos bens e serviços, em que cada vez mais tudo é feito a despachar, com preocupação de aparência, mas tantas vezes sem inteligência funcional e com uma durabilidade só “até que me paguem”.
  . Na vida profissional em que cada um vai fazendo o suficiente, porque “não me pagam para mais”, em que o “mais” significa empenho, vontade, compromisso de merecer o salário e de contribuir para a sustentabilidade do seu emprego.
  . Na família e nas relações, em que cada um se vai mantendo acomodado à sua preguiça e escudado na sua maneira de ser, sem a generosidade de colaborar e de aplanar caminho até aos outros.
  . No plano político, em que cada partido, cada deputado, secretário ou ministro gasta mais tempo a promover a sua cor partidária ou a sua imagem e a garantir o seu futuro do que a procurar soluções e formas de valorizar os recursos naturais e humanos do país.
E, assim, a falta de brio pessoal e profissional passa a falta de consciência, a negligência, a logro, a roubo e…, evidenciando o nível de egoísmo em que as pessoas e a sociedade caíram.
Chamam-lhe direito ao individualismo, direito a ser quem é, direito a ter o que se deseja, direito a …
Talvez seja antiquada, de um tempo em que, a cada direito, correspondia um dever e em que o individualismo era considerado defeito.
Talvez seja antiquada, de um tempo em que ainda se acreditava que as relações, a família e a sociedade se baseiam mais no dar do que no receber.
Talvez seja antiquada, de um tempo em que se  dizia que só a contribuição briosa de todos pode garantir o bem-estar presente e a sustentabilidade do futuro.
Afinal, concluo: ter brio é querer fazer bem, mas leva-nos muito mais longe – torna-nos capazes de construir pontes, de aplanar caminhos e de criar bases sólidas para a durabilidade dos bens, das relações, das famílias, das empresas e do país.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Família

Fim-de-semana
Começa com F de Família
Rima com gente que se ama
Tal como cada dia
No calor dessa chama

Família
Princípio
Crescimento
Permanência
Longa duração
Mesmo quando a vida é dura
Até mais do que quando é canção

Família
Do lado do pai 
Da parte da mãe
Cresce
Do lado de cada irmão
E cresce
Do lado dos filhos e sobrinhos
A mesa vai-se fazendo maior

Família
É esta, do sangue
Onde cabe a outra
De encontro e escolha
Que entra
Fica
Permanece
E a família também cresce 
Do lado do coração.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Era uma vez: Sei de uma árvore.

Sei de uma árvore!
É alta, parece ainda forte e frondosa, como a querer tocar o céu e abraçar o sol.
Às vezes também olha para baixo e descobre a penumbra da sua sombra, as pequenas fendas que vão rasgando o tronco e as rugas cada vez mais fundas do seu casco.
Se o vento sopra mais forte, sente que já não o enfrenta com a mesma firmeza.
Se o sol se entusiasma no seu luminar, percebe que as folhas já se vão encarquilhando e deixando que finos raios cheguem ao chão, onde começam a despontar pequenas flores e ervas de um verde mais tenro.
Recorda os anos de juventude, em que o seu olhar se voltava apenas para cima, em busca da luz e do céu.
Depois, começaram a aparecer as flores, depois os frutos que, em cada ano, amadureciam e saciavam as aves, os pequenos roedores que subiam sem esforço pelo seu tronco ainda liso, e enchiam de alegria o agricultor, que vinha, de vez em quando, alisar a terra e cuidar para que as suas raízes estivessem sempre cobertas e que as ervas daninhas e os insectos nocivos ficassem sempre longe.
Foram anos felizes, de crescimento e esperança, ainda de olhar o céu, com uma ou outra olhadela ao chão, que não desistia de a chamar e atrair.
Nem se apercebeu do tempo passar, tão ocupada estava em procurar o céu, cuidar das flores, esperar os frutos, oferecê-los e sentir a alegria e o bem que ofereciam.
O agricultor deixou de vir. Passou a vir o filho. Depois vinha o neto
Foi feliz!
Sem dar conta, o tronco tinha engrossado e enrugado. A seiva subia mais lentamente. As flores demoravam e floriam cada vez menos. Os frutos eram em menor número e menos suculentos. O neto do agricultor vinha cada vez mais espaçadamente, até que envelheceu e mais ninguém veio.
Só as aves continuavam a querer os seus ramos e o sol continuava a acariciar as suas folhas, com o mesmo calor e a iluminar a sua copa com o mesmo entusiasmo.
Ainda era alta. Parecia forte e frondosa, mas já não tinha o mesmo vigor, já não dava os mesmos frutos.
Mas não entristeceu.
Vira outras vidas nascer, crescer e transformar-se em nova vida.
Crescera, oferecera a sua sombra, o seu tronco, os seus ramos, as suas folhas.
Tinha florido e amadurecido frutos vezes sem conta.
Oferecera-os todos. Vira a alegria com que tinham sido recebidos e compreendera a felicidade.
E ainda tinha o sol.
E tinha o chão.
Dera-lhe sempre pouca atenção e, agora, finalmente, respondia à sua voz e percebia que fora sempre ele o seu grande sustento.
E tornou-se amigo do chão.
Ainda é feliz!
Já não procura tanto o céu e o sol. Descobriu que eles estão já dentro de si, fazem parte do seu tronco enrugado, dos seus ramos que começam a decair, das suas folhas que já deixam passar a luz.
E tem o chão.
E  a luz que ilumina a terra e as suas raízes à superfície.
A mesma luz que faz nascer a erva mais verde e anima as flores a multplicarem-se e dá energia às borboletas, joaninhas e abelhas, que esvoaçam numa dança sem fim e lhe prendem os olhos e lhe enchem o coração.
Enche-se de alegria.
É uma alegria diferente, menos de si e mais dos outros.
É a alegria da vida recebida, saboreada e oferecida.
Agora, sim. É verdadeiramente feliz!


quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Onde está a esperança?

Um vazio, um nada assustador crescia, minava-o e deixava-o à beira da queda sem volta.
Lembrava-se do nada que, na História Interminável, ia invadindo o reino de Fantasia. De como ele se expandia e engolia e deixava atrás de si, o vazio. 
Fora um menino Atreyu que o vencera. Que, depois de muitas provas e obstáculos, muitos riscos e de quase morrer, descobrira a razão do tal nada que esvaziava Fantasia e ameaçava a vida da sua princesa. 
Uma razão simples, mas tão poderosa: a esperança estava a desaparecer do coração das pessoas e elas já não sonhavam, já não acreditavam.
E, assim, desaparecia um reino, por falta de esperança!   
Vira o filme, relera o livro e julgara ter compreendido a mensagem: a esperança é que motiva e move, a esperança é que faz viver.
Nessa época gloriosa dos “trintas” com os filhos pequenos, com uma vida longa pela frente (assim esperava) acreditava que nunca deixaria morrer a esperança em si! Tantos projectos tinha e de tal modo gostava de viver!
Ainda esperava tudo da vida. Não, não desejava ser rico, nem famoso, nem alcançar grandes feitos.
Apenas poder ganhar o necessário para criar e educar dignamente os filhos, vê-los crescidos, a tomarem conta de si próprios e a serem pessoas de bem.
Apenas poder contar com um futuro que o seu esforço e as suas contribuições lhe prometiam.
Apenas poder amar e ser amado, como o seu coração desejava e merecia.
E, nessa época, tudo isso lhe parecia tão simples, tão natural, tão espectável, tão alcançável.
Nessa época, a esperança era possível. Pela idade, pelo caminho de crescimento em que o país parecia ter finalmente embarcado, à boleia de uma Europa que considerava sólida e, depois de duas guerras, finalmente sábia.
E, sobretudo, havia ainda tantos anos pela frente! O seu coração tinha ainda tanto tempo! Havia ainda tantas possibilidades!
Mas … 20 anos passaram... Depois de tanto caminho feito, percebera dolorosamente o real significado do nada que ameaçava Fantasia. Porém, agora, esse reino era dentro de si e estava a ser invadido, a transformar-se em nada, em vazio.
Não, não perdera a esperança. Ela é que se fora embora.
Levara-a a falta de caminho para os filhos, num país saqueado e à deriva.
Levara-a a falta de um futuro para si, com as suas contribuições desbaratadas pelos salteadores ou piratas que se arvoram em donos de tudo e de todos, que mandam e desmandam, sempre em seu proveito e raramente a pensar no bem comum.
Levara-a a perspectiva de trabalhar até morrer, se tiver a sorte de não ser despedido.
Levara-a o passar dos anos sem encontrar resposta à capacidade de amar e de se dar.
Um dia acordara e descobrira o nada dentro de si. 
O seu vazio, o seu cheiro, a sua náusea, a sua escuridão.
Agora, luta diariamente por vencê-lo, percorre todos os caminhos em busca da esperança. Em vão. Ela não se deixa encontrar, ou talvez tenha emigrado.
Agora, já não conta com a vida toda pela frente. Vê-a atrás de si e resta tão pouco tempo para ainda sonhar e acreditar!
Mais uma vez acordou sozinho. Sentiu o nada a alastrar, o vazio a crescer.
"Onde estás esperança?"
Só o nada respondeu.
Sentiu-se perdido.
Como viver mais um dia sem esperança, sem a sua promessa de que tudo vai correr bem?

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Setembro

É segunda-feira, primeira de Setembro, mês que lembra escola, trabalho, a despedida da liberdade dos dias e o retomar da rotina das horas contadas, preenchidas, sempre curtas, fugidias, pequenas para tanto que nelas queremos fazer.
Retorno
Rotina
Tempo contado
Tarefas destinadas
Oiço uma voz, que algures dizia:
“Não quero voltar à escola!”
“Nem eu!” Pensei.
E outra voz: 
“Segunda! De novo o serviço, 
o mesmo caminho, as mesmas pessoas, os mesmos afazeres!”
“Também não me apetece nada, 
a segunda, o setembro!”
E da minha infância chegou o dito de alguém – “o trabalho foi um castigo que Deus deu ao homem.”
“Talvez ao homem, mas muito mais à mulher”, foi a resposta da minha mãe.
Segunda
Setembro
Trabalho
Rotina
Castigo?
Para muitos é apenas esperança.
A esperança de serem colocados, chamados, integrados.
A esperança de alguma segurança, mesmo que de apenas alguns euros contados, que terão de ser muito bem esticados.
A esperança de realização, de fazer o que se gosta ou aprender a gostar do que se pode fazer.
Que venham setembro e os meses que se lhe seguem!
Mas, por muito que seja bom e necessário trabalhar, hei-de sempre desejar o fim de semana, os feriados (ter saudades dos roubados) e esperar as férias e a liberdade dos dias e das horas e gostar mais, muito mais de agosto que de setembro!

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

"I have a dream!"

Há sonhos maiores que nós
Para além de nós
Mais longe que o nosso tempo.
Sonhos que nos tomam a vida
Que não desistem dentro de nós
Que nos mudam o coração e o destino
Que nos sobrevivem.
Sonhos a que o tempo dá razão
E a História consagra
Conta em todas as línguas
E transforma em sementes de novo sonho.
Porque alimenta-se do sonho de mais além
sabendo que sem sonho não há mudança
Sem sonho não se avança, não há caminho
Sem sonho não há histórias nem vida!
Por isso, “I still have a dream!”
É semente a germinar
Que ecoa e cresce nos caminhos da vida
E há-de ser novamente História a contar:
Outros clamores de igualdade
E outras conquistas de liberdade.


quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O tempo sem tempo

Tempo
Corrida
Viagem
Vida!

Corre, corre
Ao ritmo do horário
A trabalhar
A cumprir.
E quem vence?
O calendário!

Falta tempo e lugar
Falta reflectir
Conversar
Poder estar
Sentir
Amar!


quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Era uma vez: Sementes de sonho

Sentada em frente do computador, Beatriz organizava mentalmente as ideias que iriam encher as páginas brancas. Quando se preparava para escrever uma nova história, já construída mentalmente, vinha-lhe sempre à memória a sua infância, época em que toda a sua fantasia fora criada e guardada, como um valioso tesouro de onde foram saindo todas as sementes da sua escrita.
Era no jardim das traseiras que, em miúda, passava horas esquecidas no abraço da penumbra sombria das árvores centenárias, que tinham assistido ao erguer do pequeno palacete, numa alameda relativamente próxima da pequena cidade, mas suficientemente afastada para garantir silêncio e isolamento – duas exigências do seu avô paterno, homem de posses, que o idealizara.
Beatriz habituara-se ao ambiente calmo e silencioso da casa e do jardim. Conhecia pouca gente. A estranha doença da mãe e o mistério em que todos envolviam as circunstâncias do seu nascimento tinham sido os motivos do isolamento social da família. Não fizera amigos, apenas sabia que existiam pelos livros que lia compulsivamente.
Com apenas cinco anos aprendera a ler, quando a mãe ainda conseguia resistir à atracção do silêncio de si e saía por algumas horas do seu mundo de tristeza. Com ela, aprendera a juntar letras, a formar palavras e a decifrar frases e parágrafos. Descobrira assim o mundo dos livros, onde aprendera a vontade de viver e o hábito de sonhar.
Num dia de Outono, esperara a mãe, em vão. Não quisera sair do quarto e os seus olhos ficaram perdidos em paisagens que mais ninguém via e que só a ela faziam sorrir. Percebera, mais tarde, que era um sorriso triste, de saudade e desistência.
Ninguém lhe explicara as razões de tal doença. Sabia, agora, que não era do corpo. Fora a alma que, nesse dia, não encontrara a vontade de viver e, assim, se escondera e sossegara.
Os avós, a ama e até a empregada que vinha todos os dias da cidade zangavam-se sempre que se atrevia a falar no assunto. Adivinhava a relação com o seu nascimento pela frieza com que os avós a tratavam – como se fosse a culpada da doença da mãe. Desistira de os questionar sobre o pai, tal era a fúria que lia no olhar do avô e a dor que se espelhava no da avó, quando respondiam contidamente: “– Não são assuntos para a tua idade. Dá graças pela vida boa que tens!”
Restavam-lhe as árvores do jardim. Nomeara cada uma e fizera de todas suas amigas. Lia-lhes, em voz alta, os muitos livros que a mãe coleccionara, a maioria de histórias e poemas. Era também com as suas altas amigas que lia os livros que o avô lhe trazia regularmente. Livros de História, Ciências ou Geografia – matérias que o avô dizia que ela poderia aprender sozinha. Para a Matemática, a Música e as Línguas, vinha uma professora pouco faladora, duas manhãs por semana, que se cingia aos assuntos de estudo.
O jardim era o seu mundo. Um mundo apenas seu, onde permanecia e de onde a sua mente viajava pelos oceanos e continentes da imaginação, sonhando voar acima das altas copas a que nunca tivera permissão de subir.
Nessas viagens de fingir, voara longe e descobrira tesouros que guardava nas páginas dos cadernos que nunca eram suficientemente grandes para tantas palavras, tantas ideias, tantas histórias e tantos desejos! Guardava ciosamente cada um deles numa caixa que escondera no tronco da velha tília, guardiã do seu tesouro e confidente das suas lágrimas, dos seus risos, sonhos e esperanças.
Assim se fizera adolescente e jovem mulher. Apenas adivinhara a beleza da amizade e do amor nas páginas dos livros. Vivera esses sentimentos nas viagens interiores, onde descobria e criava mundos que só ela conhecia e lhe ofereciam o que a vida real teimava em roubar-lhe.
Sabia agora que esses mundos e tesouros, só seus, lhe tinham permitido sobreviver e vencer a solidão, transportando-a em segurança para a vida adulta, onde veio a descobrir que todo o mistério, toda a tristeza que roubara a vida da mãe não passara de preconceito – um amor proibido, uma mãe solteira, uma filha escondida, um pai desconhecido e para sempre perdido.
Revoltara-se e cortara relações com o avô. Desprezara a avó pela sua submissa passividade, mas nunca pudera compensar a mãe pela vida roubada e aprisionada, nem compreender ou perdoar as vãs razões do avô - uma imagem a manter, supostos valores a preservar que, para ele, se tinham sobreposto à felicidade da filha e ao direito a crescer da neta.
Deixara a casa e o seu jardim. Esse trouxera-o na caixa dos tesouros que a velha tília tão bem soubera guardar, com os sonhos e a vida que se descobrira e crescera à sombra de tão altas e sábias amigas e que, por sorte ou providência, se transformara em imaginação, riqueza e dom que partilhava com os seus leitores. Talvez, algum deles, prisioneiro de um novo preconceito (sim, porque ultrapassado um, os auto-nomeados guardiões de valores inventam logo outro), se sentisse tão sozinho como ela fora.
Era para esse que ela contava as suas histórias, escondendo nelas asas de voar por dentro e sementes de sonho de vida respeitada e amada.
Quem sabe, talvez alguém as descobrisse e semeasse.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Vidas sentidas

As pessoas passam
Cada uma com seu ser diferente
O feitio do corpo, o arrumo ou desalinho do cabelo, as mãos, o pisar do chão, mas sobretudo o olhar e a expressão da boca.
Já repararam?
Cada particularidade aponta para um forma de estar na vida e de ser, para si próprio e para os outros.
E, se a ouvimos falar…
Então é quase fácil perceber a alegria ou a amargura, a desilusão ou a realização, o temor ou a esperança no futuro, o cantar ou o chorar que traz na voz…
Gosto de observar as pessoas e imaginar a vida que elas, em poucos momentos me revelam.
Imagino que as chamo e se sentam e contam.
Vidas sentidas, tantas vezes doídas, choradas.
E outras tantas, doídas mas cantadas.
Gosto do cantar da vida sofrida.
Que sofreu, mas cresceu e viveu, saiu de si e não deixou que as lágrimas fossem vãs.
A vida é doída, para todos.
Mas também tem um cantar que está ali, que não podemos ignorar.
Um cantar que nos põe o sorriso na alma, nos dá brilho aos olhos, nos ilumina o rosto e dá postura ao corpo.
Um sorriso, um brilho, uma luz que, em poucos segundos, podemos oferecer a quem quer que por nós passe e por momentos nos olhe.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Eu escolho o bosque

“Faz mais ruído uma árvore que cai do que um bosque que cresce”
Sábia afirmação do papa Francisco, a propósito dos escândalos provocados por alguns, que abafam a entrega diária e o bem que a maioria faz.
Tão verdade! Em todo o lado. Na família, no emprego, na escola, no grupo de amigos…
São árvores que vão crescendo e parasitando e abafando todo o bosque, escudando-se e servindo-se dele, para ganharem porte altivo.
Crescem e proliferam porque dão nas vistas, porque ganham dinheiro e têm sucesso e, tantas vezes, são vistas como exemplo. 
Enquanto estão de pé, todos admiram essas árvores, sem olhar para as suas raízes. Essas só se vêem quando elas caem. Então, vem o escândalo, a critica…
Para além da nuvem de poeira que levantam, ninguém repara no bosque, ninguém valoriza as árvores iguais a todas as outras, que trabalham, se entregam, procuram o bem comum. Por isso, não traem a confiança de quem os ama, voltando costas ao compromisso e à responsabilidade; não se promovem nem se encostam, prejudicando e sobrecarregando os colegas. São árvores normais que amam, trabalham e procuram estar à altura do seu papel na família, no emprego, na sociedade.
Um desafio: olhar mais para o bosque e menos para as árvores pomposas e de porte enganador. Ver para além delas e valorizar mais cada árvore que permite o crescimento continuado do bosque.


sexta-feira, 23 de agosto de 2013

A falta que nos fazem!

Habituamo-nos a certas coisas, pequenas coisas que nos sabem e fazem bem.
Um café, no silêncio e frescura da manhã, com um bolinho ou um sorriso luminoso, para adoçar o dia.
Um carinho, um sorriso, uma palavra, naqueles momentos em que só nos resta aceitar o que a vida traz, porque não adianta lutar, porque não está na nossa mão mudá-la.
Um “gosto de ti!”, ao acordar e no final do dia, que nos faz sentir acompanhados e saber que podemos partilhar o caminho, nas suas agruras e alegrias.
Ou coisas mais simples que, tantas vezes nos custam: uma refeição para decidir, uma cozinha para arrumar.
Um trabalho para realizar, com metas a alcançar e com a preguiça da segunda e a expectativa da sexta.
E tantas, tantas pequenas coisas!
Daquelas coisas que, só quando as não temos, se revelam tão grandes e nos fazem tanta falta!

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

É assim a Amizade

Tarde de verão
Sol, luz, calor
Caminho
Cansaço
Vontade de desistir
e….
… uma árvore
Sombra
Que abraça
Descansa
Anima
E faz bem!


quarta-feira, 21 de agosto de 2013

O Tejo da minha vida

Descobri há pouco tempo (santa ignorância!) que “Tágides” é o nome que Camões chama às ninfas do Tejo! Sim, passei pelo último ano do liceu logo a seguir à revolução dos cravos e não estudei os Lusíadas. Em vez disso, li Sofia de Mello Breyner e Alves Redol e Soeiro Pereira Gomes, que me fizeram olhar para o Tejo com outros olhos e amá-lo e, às vezes, querer odiá-lo.
Vejo-o correr há mais 50 anos, sempre ao alcance da minha vista, parte da minha paisagem quotidiana, da minha vida! E afeiçoei-me a ele e ao seu mar largo e brilhante ao sol, ou cinzento e ponteado de espuma branca de tempestade.
Chega a Vila Franca e as margens alargam-se, deixam-no espraiar-se por entre os mochões, diante do olhar, ora atento ora indiferente, das cidades apressadas e das lezírias planas e ciosas dos seus campos e das suas pastagens, dos seus cavalos e touros. Essas lezírias saudosas das searas e dos gaibéus, dos telhais e dos seus miúdos, dos avieiros e das suas redes, da vida que viveu entre as águas e as margens, tantas vezes galgadas e alagadas, enchidas de pranto e cobertas de lodo e lama. O pranto e a lama que fazem crescer e renascer a vida .
É deste Tejo, carregado de memórias de vidas que nele se fizeram e por ele vieram e partiram, que eu gosto e às vezes desgosto e me zango. Quando se esquece que é água de vida e leva quem ainda não pôde viver.
Não é culpa dele, certamente. Mas fico zangada. Não sei se com ele, que corre sereno à mercê de quem o olha e por vezes não entende, se com quem não se lembra que é rio forte e maduro, com rugas profundas onde a correnteza correr ainda mais, sem tempo para ver se há miúdos curiosos e inquietos, sedentos de água e aventura de quem os adultos se distraíram.
E apetece-me invocar as tágides - que aquietem este rio e cuidem de quem não lhe conhece a força escondida na mansidão das suas águas.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Redobrar o amor

Finalmente
Cresceram
Começam voar!
Mas…
  ... surpresa!?
Não é que o ditado tem razão!?
“Filhos criados
Trabalhos dobrados!”
É a nossa vida a repetir-se neles
Tomar a nossa vida nas mãos, doeu
Ver a dor do crescer dos filhos dói mais
Nada de novo.
É assim desde que há filhos.
Que fazer?
Se os trabalhos dobram
Só resta redobrar o amor!

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Minha escrita

Minha prosa
Meu poema
Meu verso
Meu sonho
Minha liberdade

És tu que me chamas
E pedes que te dê vida
E te deixe falar e gritar
Com as minhas palavras
Que afinal são só tuas

Tu é que as vais chamar
E as trazes todas até mim
Em ideias, sentimentos e desejos,
Para que eu as pense e escreva
E assim as possas dizer e libertar

São tuas, as palavras e o que dizem.
Dou-tas todas, tal como as segredaste
Para que as guardes, semeies e repartas
Entregando-as a quem por aqui passar

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

As luzes da nossa História

Uma multidão
Uma praça
Atrás, o nosso rio
O arco ilumina-se
Silêncio
Música e luz!
A História passa diante dos olhos
Depois de cada obstáculo, uma vitória
Depois de cada queda, um novo erguer
A fé, a persistência, um objectivo
Continuar, construir, legar
A História passa diante dos olhos
Diante da admiração
  Pelos feitos de ontem
  Pela arte de hoje
A arte de iluminar o passado
  fazer crer que há futuro
  criar vontade de fazer História
  vontade de construir e legar!

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Alcançar o céu e as estrelas

Subir, ir mais acima, mais longe,é um sonho antigo da humanidade – conquistar o alto céu e alcançar as distantes estrelas .
Mas será também o meu? Será o teu? Será o nosso sonho?
Talvez. Porque eu e tu, nós, somos humanos e queremos o que a humanidade quer, nascemos nela, caminhamos com ela e vamos aonde ela for. 
Porém, a profundidade do firmamento e o chamamento do brilho longínquo não podem distrair-nos e impedir-nos de chegar ao nosso céu e apreciar a luminosidade das estrelas que cintilam perto de nós:
. uma semente a germinar
. uma flor em botão
. uma fonte a jorrar
. uma mão estendida
. um sorriso aberto
. um coração magoado
. um olhar inquieto
. um choro de criança
. um riso de mulher
. uma lágrima a cair
. a gargalhada dum palhaço
. as palmas do público
. e até um grito de dor

As estrelas somos nós: eu, tu, ele, ela, eles, nós, isto e aquilo…
O céu, em azul, cinzento, carregado de nuvens, desfeito em aguaceiros ou zangado de trovões e granizo, nasce do coração, faz-se de palavras e emoções e gestos, envolve-nos e cerca-nos, enche-nos e, às vezes, desfaz-nos.
O céu é o azul inesperado e surpreendente e é também o cinzento ameaçador e o negrume avassalador.
Pode ser subida, escalada, ir mais acima, chegar mais longe.
Mas quantas vezes é recuo e precipício sempre a cair mais fundo e mais fundo?
É por isso que existem as estrelas. Para iluminar, guiam, guardar e encher o azul profundo de sinais, transformando-o em tonalidades de dádiva e esperança, em caminho que tão depressa é largo como estreito, íngreme ou plano, tantas vezes infinito e outras tantas sem saída que se vislumbre. 
Mas é caminho e há-de conduzir-nos ao céu e às estrelas.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Frescura de verão


Manhã fresca

O sol encoberto

As nuvens

O cheiro da chuva na terra

E as gotas de orvalho

A relva molhada

As rosas felizes

Frescura de verão

Sabe a pausa

Sabe a descanso

Sabe bem

Faz bem!




segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Post.it: Há mar e voltar

O mar, ali tão perto, num infinito horizonte de azul e prata, onde o céu e a terra se unem e confundem.
Chama-me, alicia-me com a água límpida e ondulante, promete frescura e conforto e embalo.
Os olhos afundam-se nele.
Depois, o coração à procura dos sonhos que trouxe e que neste verão, quem sabe, talvez consiga encontrar.
Mas o mar é fundo e tão vasto!
O sol empurra o corpo e, finalmente, o mergulho acontece. Por momentos, tudo é tão simples e puro e bom!
Mas o ar obriga-me a voltar à tona. O cansaço e o primeiro arrepio dizem-me que não é ali o meu lugar, que há uma terra à minha espera. 
E volto, com o mar no olhar e o sonho ainda no coração.

sexta-feira, 12 de julho de 2013


Post.it: As palavras contam

As palavras contam. As palavras falam, não só no que dizem, não só no que escuta quem as recebe, quem as lê. Sobretudo porque transportam dentro de si uma história e um modo de ver o mundo.
E quando pensamos que já não há mais nada para dizer, elas dizem um pouco mais numa gota de esperança que faz renascer o sorriso, que faz vislumbrar uma primavera onde o rigor do inverno queria permanecer.
Por vezes temos medo das palavras, das que dizemos, das que calamos, das que ouvimos, das que lemos. Fazem-nos chorar por dentro porque por fora são outras as palavras que inventamos para apaziguar o momento.
Depois cresce um silêncio tão cheio de palavras sem sentido, como se fosse necessário rescreve-las no peito para elas voltarem a ser quem eram.
Hesitamos, esbarramos na dúvida: uma ponte para atravessar e seguir outro destino, uma ponte de aproximação, não sabemos se devemos calar as palavras, se engendrar outras novas, diferentes, que cheguem mais longe do que as anteriores.
Descobrimos que o problema não está nas palavras, que a questão não está no que elas dizem ou no que calam.
Então reconhecemos que é tempo de içar as velas e deixa-las navegar ao vento, deixa-las partir na maré, porque as palavras com que quisemos ancorar o coração já não encontram solo de vida onde se fundear. Há um novo horizonte de palavras à espera para serem oferecidas e certamente mares de maior bonança para as recolher.


quinta-feira, 11 de julho de 2013

Post.it: Ode à lua

Conheces-me os passos, os que dei, o que vou dando. Falo-te do caminho, desse que aos poucos conquistei e que a custo vou trilhando. Conheces as minhas noites de insónia, o que sonho acordada. Conheces os meus dias feitos de tão pouco, quando era muito o que queria fazer com essas horas, que se transformaram em anos sem quase os ver passar.
É verdade que me vão faltando os passos, que se me vai diminuindo o caminho, vão desaparecendo os sonhos, só a insónia parece aumentar e tornando cada vez mais clara a noite. Se antes falava com o sol, se antes desenhava figuras com as nuvens e percorria com o olhar fascinado o arco perfeito composto de cores luminosas. Hoje tenho por companhia a lua, que vai mudando de posição a cada ciclo das marés, também as estrelas vão dando a sua cintilante opinião, inquietas como se fossem crianças a brincar com os próprios dedos das mãos.
Conheces-me nos silêncios, enquanto esperas que as palavras surjam, que os pensamentos fluam, que os sentimentos brotem do peito e se tornem audíveis ao teu luar.
Conheces-me os abraços carentes de abraçar e o vazio desse espaço onde o vento se vem de vez em quando aninhar.
Conheces-me porque tens feito dos teus os meus passos, do teu, o meu caminho. Tens as mesmas noites de insónia, quem sabe até os mesmos sonhos acordados, temos sobretudo, a mesma amizade, que te faz conhecer-me, que me faz conhecer-te e gostar da tua longínqua companhia.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Post.it: A vida acontece

A vida acontece, com as suas tristezas e alegrias, com as suas vitórias e derrotas, com as suas subidas e descidas, com os seus dias e as suas noites.
 A vida acontece mesmo quando não a queremos sentir, quando não a queremos viver da forma como ela quer ser vivida, quando não a queremos olhar nem aceitar.
E não adianta questionar o seu tempo de duração, as suas linhas rectas e as sinuosas. A vida acontece simplesmente em consequência dos nossos passos, é o efeito das nossas decisões, é a conclusão das nossas escolhas.
Porque a vida é um jogo que tem as suas regras, e a mais difícil, é que não podemos voltar para trás, apagar o rasto que deixámos e criar outro cheio de possibilidades de um rumo  diferente, talvez melhor.
A vida acontece apesar do  Outono nos envolver o corpo enquanto a alma ainda nos rejubila de Primaveras. Enquanto o coração nos puxa para um lado e a razão para outro. Enquanto os sonhos que sonhamos continuam a realizar-se apenas no reino do sono.
Mas a vida também acontece quando as árvores que plantámos dão fruto. Quando a nossa persistência é recompensada, quando o esforço é valorizado e o que somos é reconhecido.
Deixemos então que a vida nos aconteça, sem com ela entrarmos em discussão, porque se ela se zanga connosco, pode simplesmente deixar de acontecer.