Quem diria…
Dizes
num fio de voz cansada. Ultimamente é a única frase que te ouço proferir, todas
as outras que se lhe seguem, são como que um balbuciar de um retorcido
fonético, numa língua que ninguém entende. O teu neto em tom jocoso diz que
agora falas russo e nós, reconhecendo a inocência do menino, sorrimos, com
tristeza.
Quem
diria, ficamos nós, também a pensar…
Que
aquela menina cheia de energia, sempre a pular à corda, ela e as suas tranças
negras havia de perder as tranças, e a gargalhada cristalina para se tornar
doutora, com óculos de aros grossos e cabelo arranjado no cabeleireiro todas as
semanas.
Quem
diria que o João, aquele menino de rosto sempre afogueado e caracóis ruivos que
nem o vento os desmanchava, havia de casar e ter um rebanho de filhos, cada um
igualzinho ao outro, com rosto afogueado e caracóis ruivos.
Quem
diria…
Que
a Joaninha, tão tímida e certinha, entraria por caminhos perdidos, escondida
nas sombras da noite entre uma dose na veia e a seguinte para voltar a casa, se
é que aquele conjunto de paredes despidas pode ser uma casa, mas para ela é
quanto basta para descansar os ossos.
Quem
diria…
Que
aquela criançada tão inocente e tão feliz, teria este destino, o que lhes
calhou em sorte, ou em falta dela.
Hoje,
na mesma rua, talvez ainda nas mesmas pedras da calçada, correm outras
crianças. Por vezes apetece-me gritar-lhes calem-se! Já viram as horas que são?
As pessoas precisam de dormir sem o vosso barulho! Mas suspendo o impulso, olho
aqueles rostos, aperta-se-me o peito, que futuro os espera?
Não
o sabem, talvez tenham mais sorte que as outras crianças que por ali passaram.
Não
posso prever o amanhã, apenas posso deixa-las viver o hoje, um agora feliz,
antes daquele surpreso, quem diria…
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