É
mentira que o inverno que me deixaste no peito já deixou de invadir com a sua
chuva os meus sentidos. É mentira que a primavera já tomou o teu lugar. É
mentira que já não me navegas na esperança, que apaguei de ti toda e qualquer
lembrança, é mentira.
Quantas
vezes a mentira é a única forma de
verdade que temos, e sorrimos porque é preciso que o sol volte a
brilhar. E sonhamos, agora só quando o sono nos acalenta, porque o dia já não
tem mais fantasias. É mentira que o luar ainda nos abrace, que a noite nos
concilie os sentimentos. É mentira que ainda existam em nós aqueles momentos.
Mas seguimos o nosso caminho, agora que os passos se desencontraram e cada um
vai à descoberta dos seus, vou à descoberta dos meus. É mentira que te deixo
simplesmente partir, que te aceno sem tristeza. É mentira e só tu não vês, só
tu acreditas nessa mentira que vou insistindo ser verdade. Como minto gritando
ao coração que já não sinto. Que tudo o que vivi não tem grande importância,
que fico bem, e consigo até rir para ti, ou rir de mim, sei lá...
Sempre
detestei a mentira, e a minha vida sempre se pautou pela mais pura e gloriosa
verdade, de repente, vejo-me envolta na mentira como um casaco quente,
protector e acolhedor. Agarro-o, aperto-o contra a pele e faço dele uma parte
de mim. Olho em redor e sem o olhar crítico de outros tempos, torno-me
solidária, afinal, quantos e quantos de nós vivemos a mesma mentira só para não
sofrer, só para esquecer, só para renascer. Um dia certamente apagaremos estas
razões, estas desculpas, estas verdades mentidas, estas sensações fingidas.
Faz
parte da viajem, de tudo o que começa e por vezes acaba, faz parte do sonhar
que por vezes leva ao despertar. Será que se é verdadeiramente feliz? Questiono
até mesmo aqueles que fazem exaltação das maiores alegrias, dos maiores
sucessos, não terão de vez em quando a sua tristeza, o seu fracasso, a sua
mentira?
Não,
não me acusem das mentiras que visto, não é fingimento, tão pouco falsidade, é
sobrevivência, é aprendizagem. Por vezes é preciso mentir, não para enganar os outros,
mas para nos enganarmos a nós próprios, dessa forma, quem sabe, um dia consigamos
acreditar na mentira e ela pouco a pouco se torne verdade.