Não
é fácil falar com ela, ou melhor, é muito fácil. Porque conversa, e as palavras
são torrente dum rio de inesgotáveis águas. Mas é difícil ouvi-la falar de si,
da sua alegria, da sua tristeza. É difícil prender aquele olhar que saltita
incapaz de se fixar muito tempo no mesmo lugar. Quase diria que deseja fugir
para longe do embaraço de se confessar humana. Quando era pequenina,
chamava-lhe libelinha, de tão pequenina, de tão irrequieta, de tão feliz. Hoje
apenas a admiro no que fala e sobretudo no que cala.
Mesmo
assim atrevo-me a perguntar-lhe…
-
Se me perguntas, respondo-te. Não, já não vou lá. Nunca mais regressei a esse
lugar que um dia idealizei, ninho. Num tempo em que me sentia voar. Porque
voava realmente, no meu querer, no meu sonhar. Mas um dia descobri que para
voar é preciso sentir que temos uma direcção. Que algures no horizonte há um
lugar que espera por nós. Para quê retornar, ao que não tem retorno? Para quê
abrir essa porta, se adivinho que por detrás dela nada encontro. Por vezes
ainda hesito, toco ao de leve na “maçaneta da porta”, acaricio-a, como quem
acaricia um sonho que não se concretizou. E por um momento espreita-se-me um
suspiro dentro do peito. Mas depois, sigo o meu caminho. Gostava de saber
pintar, idealizaria uma pintura de Monet e
nesse quadro colocaria todas as cores e contornos do meu sonho. Depois
colocava-o na parede e ficaria a voar nas asas das emoções que ele me
transmitia. Se soubesse tocar, comporia um nocturno que lembraria Chopin, em
notas que soariam semelhantes a gotas de chuva a cair sobre a janela. Essa
janela que se manteve sempre fechada ao meu tímido voar.
-
Se me perguntas respondo-te, não voltei a esse lugar, porque por vezes, é
preciso aterrar e acreditar que um dia quando as asas encontrarem uma razão
para voar, uma porta que se abrirá ao
meu querer. Uma janela que estará sempre receptiva ao sol e ao luar, haverá um ninho que me vai querer aninhar.
Mas
ela voltará a esse lugar, tenho a certeza. Voltará quando já não lhe doer no peito
essa lembrança. Faz parte de nós, o recordar, o sonhar, o querer voar. Faz
parte de nós a ambição de ir mais além. Lutando contra a finitude que a nossa
condição nos impõe. Faz parte de nós conquistar a felicidade, esteja ela onde
estiver…
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