Há
dias em que o silêncio nos pesa como se nos doesse algures no corpo, uma dor
indefinida, sem doença, sem ferida, mas que dói, talvez na alma. Nesses dias o
silêncio olha para nós e não diz nada, respeitosa companhia, que já nem
companhia nos faz.
Acendemos
a televisão, mas as suas conversas caiem num estranho vazio, acendemos o rádio
e fica-nos idêntica sensação. De repente cresce-nos uma estranha urgência,
precisamos de ouvir alguém a pronunciar o nosso nome. O companheiro já partiu,
dizem que nos faz companhia do céu, os filhos cresceram e formaram os seus
lares, até os vizinhos já não batem à porta, andam demasiado ocupados, consigo
próprios ou com a sua família.
Resta
a solidão e aquele pão, que murcha, endurece, ganha bolor e desfaz-se
tornando-se nada.
Talvez
arranje um gato, quem sabe num diálogo entre miados e palavras, nasça uma
amizade, uma companhia. Mas não, um gato não sabe pronunciar o nosso nome,
embora responda ao seu, aquele que lhe damos. Quem sabe, um papagaio,
ensinamos-lhes palavras e ele, repete alegremente. Conheci uma caturra que
dizia o seu nome, Mituxa, quem sabe aprende o meu, é mais fácil e começa a
chamar por mim, “Maria”, “Maria” como um despertador, não para nos acordar pela
manhã, mas para me acordar para a vida. Porque na verdade, sinto-me a dormir,
um sono sem sonhos, sem conteúdo algum, como se fosse uma nuvem composta por
uma sequência de actos que ao longo do tempo vamos automatizando.
Hábitos
que vamos criando ou mudando consoante as situações. “Maria, Maria” mas já não
é o Manel que me chama, durante algum tempo ainda cozinhei os seus pratos
favoritos, ainda coloquei o seu lugar na mesa. Mas pouco a pouco, deixei de pôr
2 pratos, depois, deixei até de me sentar à mesa. Fico no sofá com uma caneca
de chá na mão, espero que arrefeça, depois, já não o bebo, está demasiado frio, esqueço-me cada vez mais
da rotina, esqueço-me cada vez mais de mim, lembro-me tanto dos outros, dos
presentes, mas sobretudo, dos ausentes.
Há
dias em que não sei se faz sol ou chuva, aqui entre estas paredes que abrigaram
risos, o tempo é sempre igual, frio e silencioso…
Outro
dia uma vizinha disse-me, “Sabes quem faleceu? A Maria!”. “Maria, aquela
senhora que passeava na rua sempre muito aprumadinha e usava chapéus
coloridos?”, “Sim essa senhora, faleceu enquanto dormia”.
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