Imagino
o tempo como se fosse um rio, um rio que passa lá fora e eu numa das margens,
observo-o e deixo-o passar. Sinto que passa por mim, por vezes passa em mim, e
nesse passar vai deixando fios de neve no meu cabelo enquanto o rosto outrora
liso e luminoso ganha socalcos de foz e sombras de luar.
Há
quem veja esse rio repleto de lágrimas, de histórias sofridas. Há quem apenas o
veja com declives, pejado de pedras rolantes, frio, apressado, que correndo
para a meta quase revela uma cascada para onde caiem os sonhos, as esperanças,
os desejos, a confiança.
Pobre
rio, penso ao olhá-lo, que incompreendido és…
Navega
na sua placidez até que uma vida mais tempestuosa o agita, turva-lhe as águas e
afoga nele os seus medos. Procuramos culpados para as nossas culpas, perdidos por
entre os labirintos humanos, baixamos os braços, deixando que o rio feito de
tempo navegue e nos conduza ao longo da corrente. Por vezes sufocado pelas
margens dos nossos condicionalismos morais, sociais, educacionais mas também isso é apenas uma desculpa, uma tábua a
que nos agarramos evitando a morte certa de tudo aquilo que somos.
Há
quem tenha forças para ir mais além, verdadeiros heróis que tentamos sem
conseguir, imitar. Aqueles que não temem a morte, essa morte que permite o
renascimento. Sair da sua área de conforto, sair do rio, mergulhar em pleno no
mar, afogando-se no peso da sua história construída como o cimento de toda uma
vida de padrões, de grilhões herdados do ontem e carregados ao longo dos ‘hojes’
transportados por outros tantos ‘amanhãs’.
É
cada vez mais necessário libertar-se, vir à tona da água e respirar o ar fresco
de quem encontra outro caminho que abraça como seu.
Imagino
o tempo nessas águas onde sou barco por vezes à deriva, por vezes remando com
todas as forças da fé, outras sonhando que tenho o motor e vou mais rápido mas
sem pressa. Afinal beleza do tempo está no nosso modo de o olhar, se o olhar a
partir do rio só vemos o sufoco das margens mas, se for partir das margens,
conseguimos ver o tempo/rio tal como é no deslizar suave das águas. Cada cabelo
branco, cada ruga é consequência do seu
embalo.
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