As
coisas que se podem fazer com o olhar, um simples olhar que nada tem de
simples. E um universo desconhecido torna-se conhecido, entra-nos na pele e
todas as células de vida se agitam. Querem dar-se, querem receber, querem
estar, ficar para a eternidade daquele momento. Quanto durou? Um tempo que nos
pareceu infinito e curto, o tempo de uma viagem de Lisboa ao Porto. Porque foi
nessa viagem que nos conhecemos. Conhecer, palavra tão concreta nesta nossa
história que nem história chegou a ser.
Olhei
para ti, olhas-te para mim e ficamos parados nesse olhar. Tu estavas
acompanhado, eu sozinha, como sempre nos meus “cem anos de solidão” como lhe
costumo chamar. Um olhar bastou-nos, bastou-me para ser feliz. Mergulhei nele,
afoguei-me, morri, renasci, sorri, quantas? Tantas vezes e abraçámo-nos,
beijámo-nos, amámo-nos, tu aí sentado, 4 bancos a seguir na fila contrária, eu
aqui no meu lugar perto da janela. Não sei o teu nome nem tu sabes o meu, mas o
que é um nome? Define-nos? Não! Nem somos nós que o escolhemos, alguém nos
coloca essa etiqueta sem sequer saber
se tinham cara de Maria ou de Ana, de José ou João. Não sei quem és, não sabes
quem sou e no entanto sabemos um do outro o que importa, o nosso olhar revelou
tudo, ficámos nus perante ele, sem pudores, sem medos, sem promessas que não
poderemos cumprir, sem compromissos que não poderemos assumir.
Ficámos
assim, nesse espécie de transe amoroso até que um estremecimento de uma
travagem algo brusca nos fez afastar o olhar, lá fora o mundo, o real, concreto
de vivência, chamou por nós. Tínhamos chegado ao nosso apeadeiro. Um último
olhar tocou o teu e deixou-se tocar, era um adeus?
Quem
sabe, até uma próxima viagem...
Tocaram-me
no ombro, sobressaltei-me, era o revisor. “Chegamos à última paragem”.
Sorri,
levantei-me e agradeci, ‘desta vez a viagem foi rápida’, pensei, quando acordei
do meu sonho. Sonho? Ou talvez não, porque à minha frente estavam realmente uns
olhos à procura dos meus, “um, nãa, não deve ser para mim ou então ainda estou a
sonhar”. Sacudi a cabeça, baixei o olhar, saí do comboio e perdi-me na
multidão.
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