Silêncio,
adoro escutar-te, nesse vazio preenchido de rubor solar, de horizontes de azul
e verde. Gosto até mesmo das cores da cidade, das gentes, quando as observo por
detrás da vidraça, em silêncio.
Esse
silêncio que adoro abraçar quando ele me desperta dos sonhos com a suavidade de
um quase beijo. Não chego a aborrecer-me por me roubar à delicia dos sonhos,
mesmo dos mais belos, avassaladores, das aventuras em que corro, voo, até das
quedas que não chegam a doer nem a gemer, porque estás lá, silêncio, enchendo
de ti cada recanto desse mágico encanto.
Despertar contigo é continuar essa ventura,
sinto-te no calor do leito, vejo-te na luz amena que entra pelas frinchas da
janela e inunda as paredes do meu quarto sem me ferir o olhar. Peço ao relógio que
cale o seu tic tac, que a terra suspenda o seu girar, por um instante, apenas
um instante, para prolongar a brandura deste silêncio. Tão curto no tempo do
tempo, tão eterno na sensação do sentir.
Não tarda, o bulício de mil despertares vão irromper
pela madrugada, com vozes de impaciência, então ressoam motores famintos de
combustível, entoam buzinas no alarido de frenesim, chiam travões buliçosos,
saltos de sapatos magoam a calçada na sua pressa desassossegada, cães ladrando
na excitação de tanta confusão que festejam sem entender o motivo, enquanto os pássaros
mais afoitos tentam sobrepor o seu canto ao desencanto social que o quer
sufocar. Num hiato de silêncio, pasmo, na indiferença de uns, no alheamento de um
som, uma quase melodia. É um grilo, grita feliz uma criança. Sim é um grilo que
dá o seu último trinado noturno, confundido, talvez com a rápida invasão do sol
que lhe roubou a protetora escuridão quando ele tímido na sua figura minúscula,
tentava encantar a lua com uma serenata de um amor improvável.
Silêncio
onde tens morada? Nas bocas caladas, cujos pensamentos em ebulição ameaçam
alagar as vozes? Nos olhos fechados que se recusam a verter mais alguma lágrima
que ameaça banhar o rosto? No sorriso que esconde retraidamente a mais profunda
e verdadeira gargalhada de felicidade?
Não,
não é esse silêncio que busco, esse silêncio magoado, esse silêncio
aprisionado. Quero-o livre, esvoaçante, leve. O silêncio escolhido, amado. O
silêncio que nos enche de paz, tranquilidade, que nos aquieta a alma, que nos
aconchega as emoções. Que vence o barulho numa guerra em que o derrotado
celebra também ele a vitória do vencedor. Porque também ele quer o silêncio aquietando-lhe
a intempéries das citadinas horas.
Quem
não o quer? Todos, suponho, até mesmo aqueles que o negam por medo de se
“viciarem” na harmonia da sua existência.
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