quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Post.it: A um passo do Ano Novo

Mais um ano que termina, estamos a um passo do novo ano, mas  "Nenhum ano será realmente novo se continuarmos a cometer os mesmos erros dos anos velhos" .
Aprendemos que, por pior que seja um problema ou situação, sempre existe uma saída.
Aprendemos que  não adianta fugir das dificuldades. Mais cedo ou mais tarde, deparamo-nos com elas e temos que as ultrapassar para prosseguir no caminho.
Aprendemos que muitas vezes o verdadeiro problema está na nossa mente.
Aprendemos que é necessário um dia de chuva para darmos valor ao Sol.
Aprendemos que heróis não são aqueles que realizam obras notáveis, mas os que  não desistiram de lutar quando tudo parece perdido.  
Aprendemos que,  nos podem partir o coração, mas há sempre um novo amor para o consertar.
Aprendemos que os amigos são os nossos pilares que estão a nosso lado quando o edifício da vida quer desmoronar.
Aprendemos que, ao invés de ficar esperando alguém nos trazer flores, é melhor plantar um jardim.
Aprendemos que o tempo é precioso e não volta atrás. Por isso temos de o apreciar todos os momentos que ele nos oferece.
Se aprendemos tudo isto no passado então estamos prontos para receber o futuro. Estamos prontos para entrar no Ano Novo.

Era uma vez: Uma varanda de ver mundo (5)

Central Park, em Otawa - Canadá
A manhã passou rapidamente e pouco depois do almoço, chegaram os amigos do João: três colegas que se acompanhavam desde o infantário e que, com o tempo, se haviam tornado inseparáveis.
O Tiago, um rapaz franzino, de poucas falas e olhos vivos e profundos, sempre com os óculos na ponta do nariz e com uma expressão de quem está continuamente a pensar em alguma coisa importante e séria.
O Hugo, o melhor aluno da turma, alto e bem constituído, com um rosto sorridente a espelhar auto-confiança e alegria, tem sempre uma piada ou uma história para divertir os outros, o que o torna uma companhia muito agradável.
E a Inês, de ar corado, corpo bem proporcionado e porte atlético, tem um olhar directo e um sorriso franco e aberto, que inspiram confiança, com uma forma de se expressar que revela o entusiasmo que põe em tudo o diz e faz.
Ao vê-los entrar, João sorriu de novo, de alegria pelo encontro e de prazer pela expectativa do passeio no parque. Os cumprimentos foram efusivos, como sempre e, para João, um pouco constrangedores – ainda não se habituara a olhar os amigos de baixo para cima e a que tivessem de se curvar para o abraçarem. Mas, tal como fizera de manhã, empurrou esse pensamento para longe e apreciou a companhia dos três companheiros de há tantos anos. Desceram ao parque, passearam pelos caminhos ensolarados, deram a volta ao lago e foram deitar-se na relva da pequena encosta de declive suave e exposta ao sol. Foi ali que partilharam os momentos e ideias da semana, as novidades da escola e da turma, os progressos do João, os livros e ideias do Tiago, os treinos da Inês, as histórias do Hugo e o silêncio que se instalou durante um bom bocado em que, simplesmente, saborearam o prazer de estarem juntos. Foi nesse silêncio que o João sentiu a tentação de contar aos amigos sobre a conversa com o pequeno pássaro. Hesitou, começou a dizer qualquer coisa, calou-se, reflectiu e acabou por continuar calado. “E se tudo não tivesse passado de imaginação? E se os amigos pensassem que ele estava a ficar louco? E se estivesse mesmo? De repente, sentiu medo. Estaria a ficar louco?”
A Inês reparou na sua expressão.
“Que cara é essa João? Parece que estás em altos pensamentos!”
“E estou. Vês os patos no lago? Achas que são amigos e falam uns com os outros como nós?”
Inês ficou calada e o Tiago respondeu por ela, no seu habitual tom sério e sabedor:
“Claro, todos os seres têm formas de comunicação. Pode não ser tão elaborada como a nossa, mas comunicam e muitos têm laços que os unem, ditados pelo instinto natural.”
“Até se apaixonam” – brincou o Hugo. “Olha os pinguins, casam para toda a vida. Mais fieis que muitos humanos!”
“E se falassem connosco, não era fixe? Há um pássaro que me visita todos os dias, vem apanhar as migalhas do lanche. Se ele pudesse falar comigo…!”
A Inês assobiou espantada com a ideia. “Já imaginaste as coisas que poderia contar-te?! Eles fartam-se de viajar! Era mesmo fixe se pudessem falar!”
“E se eu vos dissesse que ele falou comigo!?”
Ficaram todos calados a olhar o amigo, tentando perceber se falava a sério ou se brincava. Falava a sério!?
A expressão séria do Tiago acentuou-se, o Hugo deixou de sorrir e a Inês ficou de boca aberta e olhos arregalados pendentes das palavras do João.
“Eu sabia, vocês não iam acreditar! Nem eu acredito! Mas é verdade, aconteceu. Não sei se estou louco, mas ouvi o pássaro falar e falei com ele. Sei que não estava a sonhar! Juro!”
O Tiago sossegou o amigo. “Tem calma, há relatos de experiências dessas – talvez não seja mesmo falar, mas há comunicação entre os animais e os seres humanos”.
Discutiram o assunto, brincaram com ele, colocaram inúmeras hipóteses e concluíram que o João tinha de estar na varanda à hora do pássaro chegar, para tirar aquilo a limpo. Regressaram a casa mais cedo, todos animados e inquietos com a situação, incrédulos e desejosos de que fosse verdade. Seria?
…………….
(Continua)
…………….

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Como estás?

Como está a tua dor?
Como está o teu olhar?
Como está o teu amor?
Como está o teu sonhar?

Não sabes como preciso
de saber dos teus dias.
De apenas ler no teu sorriso,
as tristezas ou alegrias.

O mundo é tão pequeno,
mas tão grande entre nós.
Que procuro e não te vejo
nem escuto a tua voz.

Manda uma mensagem
no murmurar do vento.
Fala-me de cada viagem
que fez o teu pensamento.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Amores secretos

Esses amores secretos
feito de beijos roubados,
de abraços sempre abertos
para receber outros apertados.

Das mãos fugidias,
dos risinhos, das risadas.
Das infantis alegrias,
quase de histórias encantadas.

A ânsia de o ver,
o desejo de o encontrar.
Como se todo o viver
estivesse nesse lugar.

Nem o inverno mais frio
arrefecia aquele calor.
Avassalante como um rio
num adolescente fulgor.

Que saudades daquele beijo
que roubava e dava em seguida.
O fôlego transformado em desejo,
de ser apenas uma só vida.

Quando tudo nos seduz.
Dá-se o presente e o futuro.
A juventude é uma luz
que não conhece o escuro.

O amor é eterna paixão.
Diz o seu jovem sonhar.
Enquanto no seu coração
Aquele nome morar.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Post.it: Vamos ser optimistas

Somos um povo de marinheiros, então vamos remar contra a maré. Afastar tudo o que nos quer afundar. Vamos encontrar em cada dia uma bóia que nos mantenha à tona de água.
Estamos em crise, sim é verdade, mas também é verdade que já conhecemos muitas outras crises e cá estamos para contar.
A solução é retirar de cada obstáculo uma lição. Valorizarmos o que verdadeiramente importa e aí depositarmos  toda a nossa energia.
Esta nossa alma lusitana, não ajuda, o fado é quase uma fatalidade imposta pelo destino. Pessimistas por natureza, sofredores por antecipação. Dizem que é uma forma de nos precavermos dos problemas que hão-de chegar. Mas talvez eles nem cheguem e nós andámos a sofrer por nada.
Temos de inverter esta tendência, temos de procurar ser optimistas, vamos procurar em cada não um sim. Em cada escuridão uma luz. Vamos rir para afastar a tristeza. O pessimismo não resolve o problema, pelo contrário agudiza-o. Não vamos baixar os braços perante a adversidade. Em cada final vamos fazer um novo começo.
Vamos plantar o Optimismo na nossa vida, vamos visitá-lo e reforçá-lo  todos os dias.
Vamos respirar Optimismo.
Vamos pensar com Optimismo.
Vamos sentir com Optimismo
Vamos ser o Optimismo para nós e para todos os que dele necessitam.
Se cuidarmos do Optimismo, um dia a pequena planta será uma árvore forte e cheia de convicção. E a crise, essa, já era…

Feliz Natal, todos os dias!

E agora? Que fazer dos dias sem a simpatia do “Feliz Natal” e do “Boas festas”? Que fazer sem essas expressões, que nos fazem sorrir para amigos, conhecidos e até para quem nunca vimos ou a quem nunca falámos? Por enquanto, ainda temos a opção do “Bom ano-novo!”. Mas, e depois disso, o que fica?
Senti sempre, desde miúda, esta nostalgia do findar das festas, a parecer que um tempo bom se acaba e demora a voltar. Depois, fui aprendendo a pensar e a dizer que a festa do Natal não se acaba, que pode ser todos os dias do ano, sempre que sentirmos e tratarmos o outro como nosso irmão. E, por vezes, até consigo fazer do Natal uma festa de todos os dias, mas ainda é pouco, muito pouco. É fácil esquecer a boa vontade e perder a paciência com os outros ou, simplesmente, deixá-los permanecer à margem da minha indiferença, como se nada tivessem a ver comigo nem com a minha vida.
Neste novo dia a seguir às festas do Natal, mais uma vez , renovo o meu desejo e a minha vontade de conseguir manter vivo o espírito natalício de abertura e atenção aos outros. Pode ser que, desta vez, consiga ir mais longe e ter memória, vontade e força para que o “Feliz Natal” perdure e possa ser todos os dias!

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

NATAL

O Natal não é o comprar
lembranças para oferecer.
Mas é o sorriso imaginar
no rosto de quem vai receber.

O Natal é descobrir
que o coração ainda sente,
vontade em repartir,
o carinho dum presente.

Embrulha-se a expectativa
com laços de bondade
Para que o Natal sirva
para o desabrochar da felicidade.

Natal não devia ser só agora,
dizem muitos com tristeza.
Quando o deixam ir embora,
esquecendo a sua beleza.

Deixem o Natal morar
num cantinho do coração.
Para que ele nos possa ensinar
a transformar o amor em perdão.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Post.it: O Natal em minha casa

A preparação do Natal em família é um ritual que, por uns dias, me faz esquecer o quanto me aborrecem as lides domésticas e me dá algum entusiasmo na arrumação/limpeza da casa e na preparação dos pratos, sobremesas e delícias da Consoada.
É assim que me apercebo que o Natal só tem sentido porque, à minha volta, tenho pessoas que amo e que me amam, com quem posso partilhar a alegria de mais uma “chegada do Menino” e de mais uma redescoberta do que Ele nos veio trazer: a proposta de uma vida dada e recebida, vivida como uma oferta de nós próprios aos outros, mantendo o nosso coração aberto para que possam entrar e permanecer e dar-nos também a sua riqueza. Sim, porque amar é saber dar, mas também é ser capaz de dar aos outros a alegria de receber o que têm para nos oferecer.
O “Natal em minha casa” lembra-me isto mesmo – o sentido de abrir a porta para receber e dar, simbolizado nos presentes que trocamos – poucos e simples – e vivido na alegria do estarmos juntos, nós e os que, já não estando pessoalmente, estão presentes no nosso coração neste Natal e para sempre.
Para todos os que aqui passam desejo um “Natal em casa” – no aconchego do amor e da amizade e na alegria da partilha. Feliz Natal!

Oração das flores

Que as flores desabrochem,
e todo o ar elas perfumem.
Num encanto de quimera,
que eternizem a primavera.
Que as rosas percam os espinhos,
e adornem os pequenos ninhos.
Que cicatrizem todas as dores,
e delas nasçam perfeitos amores.
Que o sol não deixe de sorrir,
para o universo  inteiro florir.
Que cada nuvem ao  passar,
não se esqueça  de regar,
esse coração tão sofrido,
para que renasça florido.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Presépio

Na cabana da minha alma,
habita um coração,
que se torna doce calma,
para Te acolher com emoção.

Então o meu ser torna-se berço
e os meus olhos ajoelhados.
Em oração Te adormeço
Com sonhos esperançados.

Em silêncio os meus desejos
são reis da minha vontade.
Que se te oferecem cheios
de amor, carinho e amizade.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Post.it: Aos meus amigos

Tenho amigos que talvez não saibam o quanto são meus amigos. Não percebem o amor que lhes devoto e o quanto lhes quero bem. Faltam-me por vezes as palavras certas, os gestos mais claros. Por isso detenho-me um pouco mais nesta missiva, para lhes dizer que mesmo não sabendo como lhes demonstrar o meu sentir, sei que a amizade é o sentimento mais nobre que existe. É mais forte em muitos casos que os laços familiares, porque esses são-nos  “impostos” não temos opção de escolha, chegamos ao mundo e já estamos ligados a eles pela consanguinidade. A amizade por seu lado é mais verdadeira, mais inteira, mais leal até  que o amor, porque permite que o objecto dela seja dividida com outros afectos, enquanto o amor não admite rivalidades. Os amores podem  partir, deixando muita dor, mas perder um verdadeiro amigo é perder uma parte de nós. Um amigo é um “lugar” onde encontramos tranquilidade, solidariedade. Um amigo é quem nos dá um sermão e depois oferece-nos o mais doce sorriso enquanto nos diz: “Vai ficar tudo bem”. E o nosso coração acredita, porque é um amigo que nos dá essa consolante certeza.
Os amigos podem estar momentaneamente ausentes mas continuam assíduos na nossa vida, querem saber como estamos, preocupam-se connosco.
Para onde vou levo-os comigo no pensamento e quando estou perante lindas paisagens, belos monumentos ou emocionantes obras artísticas, lembro-me deles, e penso, em como gostaria de os ter ali, partilhando comigo a mesma beleza. Então, guardo no olhar cada detalhe para lhes oferecer.
Olho o céu e sinto que cada amigo é uma estrela, quando um desaparece, o céu pode não notar, mas eu sentirei a noite mais escura.
Olho o mar e sinto cada amigo é uma vaga no oceano, quando uma desaparece, o mar pode não notar a sua ausência, mas eu sentiria o oceano mais vazio.
Olho para um vasto areal e sinto que cada amigo pode ser um grão de areia. O areal não notaria se esse grão desaparecesse, mas eu sentiria a sua vastidão muito mais pequena.
Porque cada amigo é uma luz, um mar que acalma as nossas tempestades e um areal que nos indica o caminho mais seguro e fácil de percorrer.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Post.it: Oração do voluntário

Senhor, a vida é bonita quando a doamos” Foi assim que a Comunidade Vida e Paz agradeceu a nossa presença voluntária em mais uma festa dos sem-abrigo. Mas quem agradece somos nós, pela alegria que todos nós vivemos. E sem pensar que estávamos a dar, sentíamos que estávamos sobretudo a receber. Ofereceram-nos a Oração do Voluntário, nela encontramos as palavras que não sendo nossas, as sentimos como tal ”…quero ser um abrigo para os meus irmãos… que quantos se aproximem de mim sintam que são amados… Ajuda-me a ser presença de bondade, de acolhimento, de ternura. Junto de todos, mas de modo especial. Junto daqueles a quem me chamas a servir. Os teus filhos sem-abrigo”
Porque a vida só faz sentido quando a partilhamos.

Era uma vez: Uma varanda de ver mundo (4)

João espreguiçou-se e piscou os olhos à luz que lhe inundava o quarto. O estore da janela estava sempre puxado para cima. À noite, podia observar uma grande porção de céu, ora limpo e estrelado, ora carregado de nuvens, mas sempre horizonte aberto onde podia libertar a imaginação e vagar em fantasias de um futuro livre e cheio de promessas. De manhã, gostava de ser acordado pelos tons dourados da luz do amanhecer. A mesma luz que se tornava mais intensa e quente ao longo do dia e lhe iluminava o quarto e os dias e tornava tão aconchegante o seu espaço preferido – o canto da varanda grande e larga de onde observava a vida a fluir lá fora.
Nessa manhã o seu primeiro pensamento foi para o pequeno pássaro cuja voz falada viera alvoraçar tudo dele e povoara de sonhos a sua noite. A interrogação mantinha-se, no coração e na mente – “será possível?”
Custava-lhe a crer no que ele próprio ouvira e presenciara, mas queria muito acreditar que acontecera, que não sonhara ou, pior, que não delirara. Só havia uma forma de saber – esperar pela hora do lanche e ver o que o pequeno pássaro faria desta vez.
A mãe bateu à porta e entrou logo de seguida. “Bom dia, meu filho! Que tal a noite?” Beijou o filho sem esperar pela sua resposta e começou a dispor o necessário para o banho matinal a que se seguiria o ritual do pequeno-almoço em família, como era habitual ao Domingo. Mais uma vez, João desejou poder tomar banho sozinho, ficar na intimidade do seu corpo e poder estar na “idade do armário” como os outros adolescentes, que fechavam as portas da casa de banho e do quarto e não dependiam de ninguém para quase tudo, como ele. Este pensamento assaltava-o sempre a esta hora, como uma erva daninha a tentar roubar a paz do seu dia, como uma pancada que o estremecia e minava a sua fortaleza de vontade e esperança. Às vezes conseguia deixá-lo triste e tão calado que a mãe pensava que ele estava doente e insistia em saber a razão da sua tristeza, acabando por irritá-lo com a insistência. De início, esses momentos davam origem a algumas crispações e respostas menos simpáticas da sua parte. Foi percebendo que isso só dificultava o seu esforço de adaptação à nova vida, além de entristecer a mãe que, como ele, também sofria. Por isso, foi aprendendo a lidar serenamente com esse pensamento e a afastá-lo com ideias positivas. Nesse dia, afastou-o pensando nos amigos que viriam visitá-lo, no parque e no pequeno pássaro. Mentalmente fez o plano das horas e concluiu que teria de voltar do parque mais cedo que o habitual, antes da hora do lanche, para não perder o encontro com o novo amigo. A lembrança deste encontro fê-lo sorrir.
“Estás bem disposto hoje, meu filho!”
Estou, mãezinha. É Domingo, está sol, o pai está em casa, à tarde vou sair e encontrar-me com amigos. “Não achas que devo estar bem disposto?”
A mãe sorriu e beijou o filho. Sentiu-se feliz como há muito não acontecia. Era a primeira vez que via o filho sorrir por uma razão interior “será que o meu menino está a aprender a sentir-se bem na nova vida?!” Já no dia anterior tinha vislumbrado um novo brilho no seu olhar e, hoje, este sorriso.
Já estavam de volta ao quarto e João foi-se vestindo com a ajuda da mãe que, em cada dia, o incentivava a mais um gesto autónomo, a mais uma pequena conquista, sempre com carinho e paciência. O pai deixara de participar nessa tarefa porque tinha dificuldade em não fazer ele tudo e porque ainda não lidava bem com a nova situação do filho. A cada dificuldade, havia uma lágrima a espreitar e, para não esmorecer o filho com a sua tristeza, distanciara-se um pouco dessas rotinas. Entrou no quarto quando João estava quase pronto. Abraçou-o e, pegando-lhe ao colo, colocou-o na cadeira e partiram os três para mais um pequeno-almoço de ternura e carinho. O Domingo anunciava-se feliz e João sorriu, sorriu muito, com os olhos a brilhar de expectativa e esperança.
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(Continua)
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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Post.it: Malmequer

Vou escrever poucas palavras, só aquelas que valham a pena ler, que valham a pena sentir. Mas se pudesse escreveria no intervalo das letras sobre cada manhã em que desperto com o chilrear dos pardais. Escreveria sobre os primeiros raios de sol que invadem o quarto ainda adormecido. De como saio para a madrugada com desejo de cumprimentar as flores, são poucas, crescem selvagens na berma da calçada, exigindo o seu lugar de jardim na inóspita cidade. Colho um malmequer, não resisto ao impulso infantil de pétala a pétala cantarolar: mal-me-quer, bem-me-quer, na esperança que a última seja bem-me-quer, mas o ímpeto expectante desilude-se de imediato, calhou-me o mal-me-quer. Olho os outros [malmequeres], ilumina-se-me o olhar, rego-os com carinho, quem sabe um dia encontro um malmequer que me diz o quanto bem-me-quer.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Post.it: O dia seguinte

Aquele que nos dá uma nova oportunidade. Para que desta vez sigamos o caminho certo. Para que remediemos o nosso erro. Para que peçamos desculpa a quem magoámos. Para que limpemos as lágrimas com o lenço da amizade. Para que digamos a alguém o quanto gostamos dela. Para dar aquele abraço, que fica sempre adiado. O dia seguinte é tudo isto e muito mais: É a esperança renovada. É a flor que desabrocha no mais árido jardim. É um sol de inverno. É uma nuvem que passa sem escurecer o nosso dia. É uma estrada que se abre para nós. Um sonho que promete acontecer. É a coragem de recomeçar. É a força de não desistir. O dia seguinte é o amanhã, mas não deixes para amanhã o que podes fazer hoje. Sente a felicidade de obteres tudo isto no presente. A alegria de fazeres alguém feliz, tens coragens de deixar tudo isto para o dia seguinte? A vida não se adia, a felicidade não espera por nós.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Era uma vez: Uma varanda de ver mundo (3)

Nessa noite, João teve dificuldade em conciliar o sono. O pequeno pássaro, Amigo inesperado, não lhe saía do pensamento. Voltou a duvidar de si próprio “não é possível. Os pássaros não falam!”. “Mas eu ouvi-o!” “Não, não é possível!” “E se for? e se eu estiver a viver uma daquelas coisas que não acontecem a amais ninguém?” “Não, não pode ser, foi ilusão minha, de certeza!” “E se…? e se…?” Ficou neste dilema durante muito tempo, até que adormeceu e sonhou com a sua varanda cheia de pássaros, cada um a querer contar-lhe uma história de viagem diferente, numa chilreada de palavras e risos cantada por pequenos bicos que esvoaçavam à sua volta, fazendo rodopiar a cadeira numa dança mágica que o elevava e soltava no ar, num movimento e suave e livre, livre, livre…
O Domingo amanheceu em esplendor de luz e cor e inundou o quarto com um calorzinho aconchegante e bom, acordando João para um novo dia e, sem que ele o soubesse, para um novo mundo, inteirinho á sua espera!
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(Continua)
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Não faças planos

Não faças planos para a vida,
Que podes estragar os planos
Que a vida tem para ti.
Deixa-a prosseguir florida
ou  vivendo desenganos.
Deixa-a acontecer em ti.
Nesse correr longo de um rio.
Nesse procurar um sentido.
Para que o fluir do destino.
Não seja ausente e frio.
Tudo parece  estar decidido.
Indicando-nos qual caminho.
Seremos a nossa decisão?
Seremos a nossa escolha?
Tudo nos leva a questionar.
Se na vida fizermos boa opção.
Talvez ela estique,  talvez encolha.
E nos deixe a felicidade encontrar.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Post.it: Os natais da nossa infância


Os natais da nossa infância tinham a  magia das cores, dos sabores, da ansiedade pela descoberta. Tinham um encanto especial, diferente de todos os dias do ano. Cheiravam a pinho, a filhoses, a lenha a crepitar na lareira. Os natais da nossa infância, tinham a maravilha dos sons, dos risos. No meu caso juntavam-se irmãos e primos, todos de idade idêntica, realizávamos o nosso pequeno festival natalício com as melodias da época, durante a tarde organizávamos uma invasão à cozinha provocando generalizada confusão, e nesse caos planeado havia sempre um encarregado de roubar uns doces para antecipar a festa.
A consoada, com o seu nome tão nobre, era para nós mais um momento de algazarra. Se nos sentavam longe uns dos outros era a confusão geral quando tentávamos conversar. A felicidade acontecia quando nos colocavam de “castigo” numa mesa para crianças.
Perto da meia-noite mandavam-nos para a cama, íamos sem reclamar. Mas quem é que pensava em dormir? Juntávamo-nos num dos quartos e criávamos as nossas aventuras que nem sempre  tinham um final feliz, mas mais nódoa negra menos nódoa negra, fazia parte.
Adormecíamos cansados mas a sorrir.  O despertar era de ansiosa alegria, o primeiro a acordar saltava por cima dos outros para os acordar. A surpresa era geral, faltava-nos sempre um sapato. Descíamos as escadas ainda meio ensonados, cabelos em desalinho, pijamas amarrotados, pé-calçado e pé-descalço. Os adultos riam da nossa figura, estendiam um abraço, mas nós corríamos para a árvore de Natal rodeada de presentes e junto deles os nossos sapatinhos. Podiam ser presentes sem grande valor material, mas com grande significado porque durante muitos anos mantiveram viva a magia do Natal.
Hoje, não sei se esta magia se terá perdido. Mas agora somos nós que temos que fazer o Natal das crianças e tentar passar-lhes essa herança que de geração em geração dever perdurar. Para nós que já contabilizamos muitos natais, na lembrança e no coração, este passou a ser um momento de tensão: as compras, a corrida contra o tempo para ter tudo pronto a horas, a tentativa de conciliar familiares desavindos ou separados pela distância geográfica. O Natal passou a ser para nós a recompensa dum sorriso infantil que nos agradece por termos criado à sua volta momentos mágicos, suficientemente fortes para “abafarem” os “maus”. Para que mais tarde também eles possam assim recordar e passar aos seus descendentes o Natal da sua infância.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Era uma vez: Uma varanda de ver mundo (2)

Deixou-se ficar a ouvir música no seu mp3 e a observar o parque, saboreando antecipadamente o passeio de Domingo, com os amigos que nunca deixavam de aparecer. De repente, começou a ouvir uma vozinha cantada, que mais parecia um sussurro: “Por que estás sempre aqui? Estás sempre aqui, por quê?”
Olhou e não viu ninguém. Estaria a sonhar? Não, não estava. A voz disse mais alto:
“Então, não sabes falar?”
“Claro que sei falar. Mas não vejo ninguém! Não gosto de falar sozinho!”
“Sou eu, estás farto de me ver!”
“Eu, quem?”
“Eu! Quem haveria de ser? Só estou aqui eu!”
João pensou que estava a sonhar e esfregou os olhos. “Juro que não vejo ninguém!”
“Então, vê lá se ao menos consegues ouvir-me!”
Um canto, trinado e melodioso, encheu o ar! O mesmo canto que João ouvia quase diariamente, sempre que o pequeno rouxinol vinha apanhar as migalhas do pão ou os pequenos grãos de cereais que a mãe costumava comprar para a pequena ave e por quem sentia um secreto agradecimento pela visita regular que fazia ao filho. João sentiu-se petrificado e teve medo de estar a ter algum delírio.
“Não pode ser, tu não falas!”
“Claro que falo! Falo quando quero e com quem quero!”
“Mas já vieste aqui tantas vezes e nunca falaste!”
“Hoje não há migalhas. Não estavas à minha espera?!”
“Vieste mais cedo. Ainda não lanchei! Então só falaste porque não há migalhas?”
“Porque não há migalhas, nem grãos, nem nada e porque me apeteceu. Já me anda a apetecer falar contigo há muito tempo!”
João rodou a cadeira, deu uma volta sobre si próprio, esfregou os olhos, puxou os cabelos e voltou a olhar o pássaro, pensando que aquilo não podia estar a acontecer!
“Porque estás com essas patetices? Não é boa educação fazer patetices quando alguém está a falar contigo!”
"Não podes estar a falar comigo! Os pássaros não falam!"
"Falam, pois! Mas não com toda a gente! Só com algumas pessoas. Nunca ouviste dizer isso?"
"Já, mas pensei que era fantasia!"
“Não, é verdade! Falam os pássaros e todos os outros seres. Mas só algumas pessoas podem entendê-los!”
“E por quê eu?”
“Porque gosto de ti e porque tenho tantas coisas para te contar!”
“Vão dizer que sou doido, que não posso falar com um pássaro.”
"Não precisas de contar a ninguém. É melhor não contares, senão ainda te proíbem de vires para a varanda, pensando que estás com problemas mentais."
"Tens razão. Mas não sei se sou capaz de guardar uma coisa destas só para mim! Olha. Cala-te que a minha mãe vem aí!"
“Então meu filho, não estás cansado? Hoje atrasei-me um pouco com o lanche! Olha, o teu amiguinho já chegou! Também tenho papinha para ele!”
A mãe posou o tabuleiro e afagou os cabelos do filho. Beijou-o na testa e estendeu-lhe uma pequena manta sobre as pernas e sentou-se numa cadeira em frente do filho, depois de colocar uma pequena porção de alpista sobre o parapeito da varanda, para o rouxinol.
“Nunca falta ao lanche, o teu pequeno amigo!”
“É verdade, mãe! Acho que lhe vou dar um nome, para ser mesmo meu amigo!”
O pássaro levantou a cabeça e olhou para ele como quem pergunta: “um nome para quê?” A mãe, sem saber, respondeu por ele.
“Fazes bem – dar um nome é como criar: dá-se vida nova a uma coisa ou a um ser que, assim, passa a ter uma importância única para nós e que, normalmente, se reflecte no nome escolhido. Em que nome estás a pensar?”
“Ainda não sei. Mas sei que hoje é um dia especial: está um belo e luminoso dia e descobri que a vida pode ser surpreendente!”
“A que se deve tal animação!?”
“Deve ser porque o meu pequeno amigo, hoje, veio mais cedo!”
O rouxinol cantou satisfeito com o lanche, com a alegria do rapaz e, sobretudo, porque ele lhe tinha chamado Amigo. Aí está um belo nome, pensou enquanto abria as asas e levantava voo!
“Até amanhã, João!”.
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(Continua)
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O que faz girar o mundo

 
É o amor
Que dá força ao universo.
Torna poesia o meu verso.
Que faz o sol despertar.
Que leva o navio ancorar.
É o amor
Onda que molda o rochedo.
Faz do meu coração seu brinquedo.
Começa vendaval acaba maresia.
Minha noite e também meu dia.
É o amor
Vulcão que parece adormecido.
Fulgor que vive no peito contido.
Quantas vezes sonhando acordada,
Na ansiedade da sua chegada.
É o amor
Meu tudo mas também meu nada.
Sorriso e lágrima abandonada.
Lembrança que leva ao tormento,
Esperança que acaba esquecimento.
É o amor
Uma montanha russa de emoções,
Momentos de vitórias e desilusões.
Energia que nos faz  voar .
Desejo que nos faz acreditar.
Que nos leva até ao infinito.
Por ele eu parto, por ele eu fico…

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Post.it: Fiel amigo

Sou fascinada por animais, sobretudo cães. Quem me conhece sabe disso, e eu, encolhendo os ombro justifico esta paixão duma forma irónica: Acho que na outra encarnação fui cão. Admiro a sua lealdade silenciosa, a sua amizade não crítica. Olham para nós como se fossemos o seu melhor amigo, estão sempre disponíveis, ouvem-nos com toda a atenção como se tudo aquilo lhes fosse perceptível, será? Não sei, não sei o que pensa, o que sente. Mas sei que quando o chamo, vem, seja de onde for, vem sempre. Quando era criança tive um cão que  quando eu chegava a casa vinha celebrar a minha vinda arrastando-se, estava muito doente, mas melhorou e ainda me fez companhia por muitos anos.
Um dia encontrei  3 cães na rua, logo 3, a situação metia respeito, estavam abandonados tão magros que quase dava para contar as suas  costelas sob a pele, olhei-os indecisa, mas sem hesitar ofereci-lhes as minha mão numa carícia, que pensei ficaria no ar. Um deles aproximou-se, cheirou-a e baixou a cabeça num gesto de quem entende e gosta dum carinho. Claro que preferiria um bife certamente, mas era um bom começo, e foi. Trazia comigo um pacote de bolachas que logo fiz questão de oferecer. Os outros aproximaram-se, não era um manjar dos deuses mas dava para confortar o estômago. Ficámos amigos, todos os dias lhes trazia um mimo, e eles reconhecidos, na sua forma de comunicar, abanavam-me a cauda, outras vezes já ladravam ao ver-me chegar. Ficaram bonitos e de tão simpáticos logo uma senhora, dona do quiosque fez questão de os adoptar,  aos 3. Fiquei feliz por eles, mas triste porque já não os iria ver de novo. Mas a sua nova amiga de vez em quando mostra-mos. Num misto de satisfação e  humanitária vaidade, diz-me: Lembra-se deles? Estão lindos não estão? Estão confirmo com gratidão.
Sou fascinada por cães, reconheço a sua lealdade e generosidade. Quando os comparo com alguns membros da nossa sociedade envergonho-me por confirmar nessas pessoas, a ausência destes sentimentos e valores. Os cães nunca mordem a mão de quem lhes faz bem, reconhecem e valorizam os amigos.
Ainda lhes chamam irracionais!...

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Era uma vez: Uma varanda de ver mundo (1)

Colocou-se no seu lugar preferido: o cantinho da varanda larga e comprida de onde podia observar a rua cheia de movimento de pessoas e veículos e, para além dela, o extenso parque de árvores frondosas, onde se abria uma enorme clareira com um grande lago artificial que emprestava frescura e brilho a tudo o que o circundava: os relvados, onde as crianças brincavam livremente, dando largas à imaginação e soltando toda a energia que, nelas, parece sobrar sempre; as pistas de passeio e de corrida, percorridas por “atletas” amadores, a pé e de bicicleta; os pequenos caminhos empedrados e sombreados – os preferidos dos jovens pais e mães que empurram o futuro nos carrinhos de bebé; o parque de exercícios radicais onde soava o rodar e o cair dos skates de onde, milagrosamente nunca caíam os seus jovens ocupantes; os cães que saltavam e corriam por todo o lado, cheirando aqui e ali e marcando o território com o alçar característico da pata traseira. Não se cansava de observar toda esta vida que, no seu movimento e azáfama, lhe enchiam os olhos, às vezes de lágrimas, e os lábios quase sempre com um largo sorriso!
Naquele dia – um sábado frio mas cheio de sol – sentia-se particularmente confiante. Na véspera, o médico elogiara-o pelo seu esforço e empenho. Se continuasse a fazer progressos, quem sabe, ainda poderia voltar a andar! Sorriu, desconfiado de tanta sorte. Pelo menos já conseguia manobrar bem a cadeira de rodas e isso fazia-o sentir quase independente – um quase muito grande, mas… Além disso, sábado era véspera de domingo – o dia em que os amigos vinham ter com ele e o ajudavam a descer ao parque e a fazer parte dele e da vida que dele transbordava. Visto de dentro, o parque tinha outro encanto: descobria os caminhos, largos e recantos que as copas das árvores não lhe permitiam ver da varanda e onde o amor passeava de mãos dadas ou se embalava no conforto de um abraço, quando não se sentava num banco com saudades de um beijo! Tinha apenas quinze anos mas já aprendera a sofrer, a desconfiar e a acreditar de novo, apesar de tudo. Por isso, sim acreditava e esperava que o amor também haveria de lhe acontecer!
A varanda transformara-se no seu espaço de ver e sentir o mundo, enquanto o seu coração se preparava para o enfrentar, acalentando uma enorme esperança de o conquistar!
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(Continua...)
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Post.it: É preciso acreditar

Quando já não precisar do passado nem do futuro para existir, hei-de inaugurar círculos de vida, como se outros não existissem. E renascida em cada instante, serei sorriso, ingenuidade e esperança. Acreditarei que a dor é apenas uma flor que ergueu os espinhos para se defender da natureza agreste. Que basta tirá-los para só ficar a maciez e o perfume das suas pétalas. Acreditarei que o rio não é profundo, mas apenas denso. Que as margens não são a sua prisão, mas a companhia que o segue na sua longa jornada. Que o mar não molda a rocha na sua insistência de a querer abraçar, mas sim que a rocha se molda ao mar para nele se aconchegar. Hei-de reaprender a vida a cada despertar e acreditar que o sol brilha para que a terra volte a florir. Que o intuito da vida é ser feliz, que não é apenas um desejo mas uma possível realidade. Que nessa renovação constante, cada círculo do passado, não deixa no presente qualquer semente para o futuro, por vezes é necessário renascer, porque é preciso acreditar...

O tempo da chuva

Lá fora a chuva cai
num bate-bate constante.
Diz que é seu este tempo
e tão depressa não se vai.

Gosta de pingar mansamente
molhando campos e prados
mas também de cair com força
a ecoar nas janelas e telhados.

Diverte-se a ver quem passa
e desafia o vento a soprar, soprar
para virar guarda-chuvas e chapéus,
só para ela, marota, poder molhar.

Ri-se em suaves pingas
num cair certo e miudinho
ou em sonantes gargalhadas
de aguaceiros e enxurradas

Chega sempre no Outono,
traz consigo o frio cortante
e espera que venha o Natal,
para se tornar neve brilhante.

Dá as boas-vindas à Primavera,
e rega-lhe as primeiras flores.
Mas parte sempre antes do Verão,
tem medo de secar com o calor.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Post.it: É a andar que se faz o caminho

“É a nossa vontade de andar que cria o nosso caminho” diz Paulo Coelho. Esse caminho onde caímos e nos erguemos vezes sem conta. Esse caminho onde tentamos aprender com os nossos erros a não os voltar a cometer, mas lembrando as palavras de T. Bankhead “ Se pudesse viver de novo a minha vida, cometeria os mesmos erros – só que muito mais cedo.”
Mas os erros muitas vezes magoam, deixam marcas, feridas que passam, mas permanecem as cicatrizes. São uma lição, há quem diga que são  uma bênção, não vou tão longe nesta questão. Mas se o saudosismo e a vontade de voltar ao passado for grande, então, basta olhar para elas.
Quantas vezes questionamos as nossas atitudes, quantas vezes desejávamos ter a certeza do caminho e temos a sensação de que  continuamos a cometer erros que mais cedo ou mais tarde reconhecemos como tal. Nessa altura  recordo-me duma história que li algures, falava dum Guerreiro da Luz que nota que certos momentos na sua vida  se repetem.  Que com frequência ele via-se diante dos mesmos problemas e, enfrentava situações que já havia enfrentado anteriormente. Então fica deprimido. Começa a achar que é incapaz de progredir na vida, já que as mesmas coisas que viveu no passado estão de novo a acontecer. “Já passei por isto”, reclama ele com o seu coração.
“Realmente já passaste por tudo isto”, responde o coração.  “Mas nunca as ultrapassaste.” O Guerreiro então passa a ter consciência de que as experiências repetidas têm uma finalidade: ensinar-lhe o que ainda aprendeu.  Se “é a nossa vontade de andar que cria o nosso caminho” então temos que andar até encontrarmos o caminho certo. E se as histórias se repetirem é porque não ficaram bem resolvidas. Mesmo que seja verdade o que diz T. Watson “o caminho do sucesso é dobrar a taxa de erros.” Depois só temos que aprender a resolvê-los.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Soletrando o amor

Quando pela primeira vez soletrei,
a-mo-te, a ortografia respeitei
na mais eufórica alegria
de quem só amar concebia.
Mas o tempo foi passando
Ou o amor talvez mudando
por isso separei-te de mim
amo tracinho te bem no fim.
Mais tarde pedi timidamente
até soletrei melancolicamente
a-ma-me…
como quem diz, chama-me.
Mas disseste-o pela última vez
senti que algo me desfez
e mesmo com um amo tracinho te
num quase silêncio partiste
Voltarias? prometeste que sim,
era um tempo e não um fim.
Eu separada de ti por um mar,
continuava sempre a soletrar.
Acenei-te, gritei-te de longe - Amasme?
Numa só palavra gritada ao vento.
Tu à distância, eu em tormento,
- claro que te amo,
te amo, te amo.
Ouvia num eco que a onda trazia,
ortografia de longínqua maresia.
Foi luta de mares e continentes viajantes,
numa geografia e gramática errantes.
 Eis-me enfim sem barco nem vontade.
Sonhando só com a liberdade,
De reencontrar o amor e depois,
o soletrar continuamente a dois.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Post.it: Nesta janela cabe o mundo

Cada porta fechada guarda história de vidas que desconhecemos. Quando ela se abre, surpreende-nos, maravilha-nos, entristece-nos.  Vidas desiguais, vidas cansadas, vidas sofridas, vidas normais. Sonho com portas transparentes, com vidas sorridentes. Sonho chegar a todas elas, escutar as suas histórias, guardá-las na memória. Fazer delas uma lição, de luta, de luz, de vitória. Recordo algumas que conheço, aquela de quem está doente e se sente só mas que sorri quando abre esta janela, por onde não entra o sol mas uma energia que vem dum coração amigo,  porque a recebe de todos os que também estão aqui em frente a um ecrã e lhe levam a frescura da manhã. Lembro um jovem que desde sempre enfrenta a sua deficiência evolutiva e degenerativa, mais uma vez também ele carrega no botão e transpõe a porta fechada, que ultrapassa as suas limitações, porque aqui todos somos iguais. Iguais no desejo de ir mais além, de vencer obstáculos, de tentar esquecer a dor,  de sorrir como os demais, de ser feliz. Todos sem excepção, que vivem aprisionados na sua solidão: doentes, deficientes, desempregados, reformados, e outras tantas situações que estão por detrás das portas fechadas, aqueles que encontram neste meio, uma janela, que a abrem e recebem dela um infinito abraço.
Porque neste espaço todos podemos sonhar, todos podemos voar, todos podemos ser heróis da nossa história. Nesta dimensão sideral, neste universo sem fronteiras,  a distância deixou de fazer sentido. Aqui, agora, num tempo  que deixou  ser contado em horas, minutos, segundos, temos o instante, à velocidade dum clic.
Neste meio encontramos amigos virtuais e outros que são bem reais mas que a rotina da vida impede de estarem presentes em carne e osso, mas tu sabes estão sempre aqui á distância da tua mão que toca a minha.
Quanto aos outros que importa quem são, não vamos julgá-los, cumprem o seu papel de “amigos” ocupam o vazio de muitas vidas, dão-lhes colorido, levam-nos a viajar pelas estradas da imaginação. Toda a amizade, vale a pena, quer dure uma hora, um dia ou uma vida, porque deixa a nossa mais florida.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Era uma vez: À espera do amor

Gostava de inventar histórias que contavam a vida que queria ter e criavam o amor que desejava viver. E escondia-se nesse mundo criado à imagem do seu desejo. Inventava e vivia cada história como se continuamente recomeçasse, vivesse e partisse, para novamente começar, viver e partir. Era como sonhar e tentar viver o sonho.
Neste viver irreal, os anos passavam e as vidas contadas tornavam-se cada vez mais exigentes e afastavam-na mais e mais do mundo real. Não se importava, deixava-se ir e vivia, amava e era feliz nesse mundo inventado que transformava em letras, palavras, frases, textos, histórias e livros de esperanças e caminhos, que faziam sonhar quem os lia, porque abriam horizontes e libertavam o amor.
Nas histórias, o amor podia ser de todas as cores e ter todas as formas. E ninguém a criticava. Pelo contrário, era admirada pela coragem de escrever com liberdade e por contribuir para a mudança de mentalidades e atitudes. Nas histórias, ela reinventava o amor, fazendo-o grande e verdadeiro, sem traições e sem censuras.
Mas na vida real não era assim. O amor? Não podia vivê-lo. Teria de se libertar das amarras que soltava quando escrevia, mas que ainda prendiam o seu próprio espírito e lhe tolhiam a vontade, impedindo-a de ser livre e de amar à sua maneira e a quem queria.
Enquanto a coragem não chegava, escondia-se e confortava-se nas histórias que inventava e, nelas, fingia que a vida era ali e que o amor a escolhia, sem barreiras e sem preconceitos, sem vergonha e sem medo. E esperava pelo amor real como quem se prepara para abrir a porta e partir, à luz do dia, num caminho novo.

Post.it: Quandos os filhos voam

“Uma gaivota voava, voava/asas de vento/coração de mar/ Como ela, somos livres/somos livres de voar”  lembram-se desta canção? Veio-me à memória, não na sua intenção de luta política que tinha na época em que surgiu e que ficou para a história com esse sentido. Tocou-me sempre o espírito de leveza, de liberdade, de voou para um novo destino. “Asas de vento” impossíveis de domar. “Coração de mar”, grandiosidade na expansão de horizontes.
Mas por vezes sentimos que ainda  é demasiado cedo para esses voos, consideramos que as suas asas são tão frágeis e o coração de mar tão jovem para superar as ondas e vencer os vendavais que sempre surgem na vida. Que fazer? Aprisioná-los na gaiola da protecção maternal? Bem que queríamos, mas é tempo dos filhos voarem e construírem o seu próprio ninho. Nessa altura escondemos por detrás dum sorriso as nossas angústias e receios de pais, apoiá-los e incentivá-los para que voem. Depois,  com a voz mais doce, aquela que vem do coração, dizer-lhes, que vão, mas que nunca se esqueçam de regressar de quando em vez ao ninho familiar. Resta-nos desejar que o mar lhes seja tranquilo e o vento nas asas apenas uma suave brisa. Que voem mas nunca  se quebre o cordão umbilical que aparentemente cortado à nascença permanece inteiro  e infinito no tempo e na distância.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Você foi

Você foi,
O sonho que tive ao despertar.
Você foi,
O encontro que desejei encontrar.
Você foi,
A mão desenhada para a minha.
Você foi,
A esperança que o coração continha.
Você foi,
A estrela do céu mais brilhante.
Você foi,
O encanto mais lindo e cativante.
Você foi,
O presente que a vida me ofereceu.
Você foi,
O amor que sonhei, mas não aconteceu.

Post.it: Missão sorriso

Por vezes é bom revisitar a infância, os heróis, os sonhos. Sem nostalgia, sem tristezas ou arrependimentos. Apenas e por um instante lembrar e voltar a sentir aquela ingenuidade que nos permitia voar, imaginar, acreditar que impossível pode acontecer. Sobretudo que éramos invencíveis. Que nada nos podia magoar e mesmo quando as lágrimas saltavam dos olhos por uma queda inesperada, a dor passava depressa e ficávamos com um penso giro para mostrar aos amigos. Eram as nossas medalhas, das nossas guerras, travadas contra almofadas. Foi assim que me senti ao ouvir o cd de ajuda para a Missão Sorriso. E fiquei duplamente feliz, senti que ajudando podia contribuir para um sorriso. Um pequeno sorriso aquele que por uns instantes permite que uma criança esqueça que está doente e possa sonhar que a doença é apenas um episódio giro para contar um dia aos amiguinhos. Por outro lado neste cd reencontrei as canções que cantarolava na infância e mais tarde foram as mesmas que serviram para embalar o adormecer de outras crianças. São canções sem data porque perpassam gerações e ainda embalam corações, além de continuarem a fazer de uma maneira ou de outra, sorrir.


terça-feira, 30 de novembro de 2010

Meditação guiada

Recebemos o pedido de uma técnica de meditação mais simples, e esta pareceu-nos a melhor: Guiar a vossa meditação no início para que um dia consigam desligar-se desta voz e seguir os vossos próprios métodos. Podem encontrar esta possibilidadede na barra lateral direita. Perdoem-nos o amadorismo tecnológico e desfrutem o melhor possível da nossa ajuda. Boa meditação.

Post.it: Reescrever o caminho

A boca calada. A respiração rasgando o silêncio. As mãos a pesarem tanto que exilou os gestos colando-as ao coração. Debruçou o olhar, não quis ver o rosto que desenhou tantas vezes numa realidade que pensou fosse eterna. Eterna como os dias em que nem as horas os separavam. Nem a escuridão da noite, nem o raiar das madrugadas. Poisou a cabeça entre as mãos, como lhe pesam os pensamentos. Porque não os pode libertar, não pode impedir o rumo das decisões.
Suspira, ainda sonha por uns instantes: para o guardar na sua vida, recomeçaria tudo outra vez, choraria todas as lágrimas que secariam em todos os risos, sofreria todas as mágoas que morreriam em apenas um beijo, andaria todos os caminhos, arriscaria a sua vida. Hora após hora, ano após ano. Mas ele teima em tornar-se apenas uma lembrança que vem do lugar de todas as ausências, e tem nos braços a mesma curva onde os pássaros iniciam o primeiro voo. Fecha os olhos, talvez quando os abrir algo esteja diferente, nos lábios surge o esboço triste dum sorriso, quem sabe uma ténue esperança, vaga de mar que na praia se desfaz, apagando os passos que nela ele deixou ao partir. Era a última marca da sua presença, agora ficou-lhe apenas a alma deserta. E na areia apenas uns passos, os seus, que reescrevem o caminho.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Onde?

Onde está o luar
que o céu encobriu?
E a nuvem que a chorar
sente o seu vazio?

Onde está o sol de inverno
que o nevoeiro ocultou?
O anoitecer que parece eterno
porque a luz da manhã não chegou.

Onde está o teu coração
que abandonou o meu voar.
Deixando-me a solidão
sem ver o sol nem o luar.

Dá-me uma estrela,
chama-lhe esperança.
Pode não ser a mais bela,
mas a que a ilusão alcança.

domingo, 28 de novembro de 2010

Post.it: A estação de comboios

Às vezes  observo a vida como se ela fosse uma estação de comboios. Há quem entre no primeiro e pense, se não der certo desço na estação seguinte. Depois há outros que olham para a carruagem e escolhem o comboio que lhes parece mais confortável, e aparentemente mais seguro, se não der certo pelo menos a viagem foi agradável Há os que escolhem sempre o comboio com pior aspecto, desconfortável, meio avariado, problemático, talvez tenham necessidade de aventura, de quebrar as regras ou talvez sejam dessas pessoas que se deixam levar pelos impulsos do coração ou quem sabe ainda por um desejo quixotesco de salvar o mundo? Se não der certo, recomeça-se de novo, há tantos comboios a precisar de restauro...
Encontram-se também outras pessoas, aquelas que já conheceram alguns comboios e demasiadas estações traduzidas em decepções. Essas que optam por não escolher, ficam paradas, à espera, de quê? Há quem diga que do próximo comboio, mas acho que preferem simplesmente vê-los passar sem entrar em nenhum. No entanto, de quando em vez, é um comboio que as escolhe e acolhe no seu conforto, no seu carinho, na promessa de que o caminho não será acidentado e que desta vez irá chegar ao final da linha sem sentir vontade de descer na próxima estação. Para onde vai esse comboio? Não sei, mas espero que tenha como destino a Felicidade.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Post.it: I’m a big big girl

Sou uma menina grande num mundo ainda maior, mas por vezes queria ser pequena, não ter que tomar certas decisões que sei vão magoar outras pessoas. Sou uma menina grande, repito para mim, tens de enfrentar o mundo, lutar para chegar a algum lugar. Passar por momentos bons e maus. Chorar muitas vezes e sorrir quem sabe outras tantas. Não me disseram que as coisas iriam ser assim, que tudo tinha de ser conquistado, que temos que ceder na nossa vontade. Que temos que levantar cedo quando nem o dia ainda despertou,  ir para o emprego, encarar o frio, a chuva, os humores de cada um, as filas de trânsito, o atraso do autocarro e chegar já cansada. Tudo isto para quê? questiono-me tantas vezes:  para pagar a renda duma casa onde nunca estamos, pagar a luz que pouco acendemos, a água que mal gastamos, comprar comida que mal comemos, alguns “brinquedos” chamados electrodomésticos, televisor, dvd e pc, mas não temos vontade nem quase tempo para “brincar” com eles,  o resto fica para os impostos, nem sei de quê, de ter nascido talvez. Suspiro e sonho com as férias, talvez desta me sobrem alguns euritos para relaxar numa praia longe da civilização. Até lá vão correndo os dias entre amores e desamores.
Por fim enrosco-me no sofá adormeço o cansaço enquanto sonho que ainda sou uma little, little girl  que vive num big big world.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Post.it: Castings amorosos

Dou comigo a pensar em como tudo começa. Um sorriso envergonhado, um beijo meio desastrado no rosto. Alguém apresenta-nos, mas não ouvimos o nome, fixos que estamos naquele olhar. Perscrutando aquela alma ainda tão cheia de incógnitas. Cruzamos os braços, descruzamos, sem saber onde os colocar. Tocamos o rosto num gesto nervoso enquanto afastamos um cabelo rebelde. Depois lembramo-nos que noutras situações já passadas, naqueles momentos, os detalhes não ficam guardados na memória. A conversa sai sem assunto definido, rimo-nos e isso é quanto basta. Começam os telefonemas, os convites para, um cinema, um café. Recontamos o nosso passado, colorimos o presente e começamos a sonhar com um futuro a dois. Fazem-se passeios à beira mar, esse mar que conhece as esperanças e depois as lágrimas, caminhamos com passos controlados, hesitantes. A descoberta do factor comum, os gostos,  da personalidade. A entrega de sonhos, de desejos. Depois vem o amor a sério, porque antes o que disparou as hormonas foi a atracção física e psíquica. Agora é amor, dizemos nós ao coração quando este bate descompassado, cheio de dúvidas, que logo aquele abraço desfaz. Cresce esse sentimento que nos inspira e torna as manhãs mais suaves no despertar, como se tivéssemos uma nova razão para dar sentido ao passar dos dias.
Depois, de um momento para o outro com ou sem explicação torna-se passado. Repetimos as mesmas frases para nos animarmos, entre elas que “o sofrimento ensina e faz crescer”. Dando-nos uma lição que nos torna mais distante, desconfiadas. O tempo passa e os “castings” são cada vez mais cansativos, os finais cada vez mais dolorosos e juramos para nós mesmas que não vamos reviver a experiência.
No entanto e por uma estranha ironia que fica de cada história, a verdade é que não nos arrependemos de ter sofrido, se sofrer significa ter amado.
O coração acalma e leva-nos a pensar,  quem sabe num desses castings conseguimos o papel principal?

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Post.it: Vida de solteira

Mais uma conversa de café entre amigas. Por fim chegaram, umas a horas, as mesmas de sempre, as outras, atrasadas também como sempre. Sentam-se e suspiram: - Finalmente sentei-me, sabes lá o que tem sido o meu dia, enfim a minha vida. Sempre a correr, o marido, os filhos, a mãe. A escola dos miúdos, o emprego, as actividades extracurriculares dos miúdos, as compras, as tarefas domésticas, os tpc(s) acompanhados. Bem, fico cansada só de ouvir. Encolho-me na cadeira, perante tudo isto como me posso queixar? Elas olham para mim com uma inveja de amiga: - Tu é que estás bem, solteirinha, tens o tempo todo para ti. Pois, reflicto. Observo em silêncio os meus dias, as minhas tarefas. Emprego, actividades desportivas, compras, lides domésticas e outras (tenho que tirar o silicone das marquises e colocar outro que o sol já queimou aquele antes que comece a chover, substituir a misturadora da torneira cozinha, que já deita mais água por trás do que pela frente, tapar os buracos que ficaram na mudança de posição do esquentador (ordens da Galp), substituir o casquilho da lâmpada da cozinha que estourou literalmente, pintar a parede da cozinha onde estava o esquentador que ficou com a marca do ausente, fazer dois pequenos móveis com prateleiras para colocar no lugar onde estava a botija do gás que agora já não existem porque foi colocado o gás canalizado, mudar o castelo da torneira do lavatório do WC porque já é preciso comer os espinafres do Popeye,  para a apertar, mudar uma peça no autoclismo para este deixar de fazer barulho e acordar o prédio inteiro e outras pequenas coisas que sempre aparecem) Coisa pouca. Porque a vida de solteira tem todo o tempo do mundo…?

Era uma vez: Sementes de tesouros

Sentada em frente à máquina de escrever, Beatriz organizava as ideias que iriam encher a brancura das páginas. Quando se preparava para escrever uma nova história, já construída mentalmente, vinha-lhe sempre à memória a sua infância, época em que toda a sua fantasia fora criada e guardada como um valioso tesouro, de onde foram saindo todas as sementes da sua escrita.
Em criança, passava horas no jardim das traseiras, na penumbra sombria criada pelas árvores centenárias que já ali se encontravam quando o pequeno palacete fora construído, numa alameda relativamente próxima da pequena cidade, mas suficientemente afastada para garantir silêncio e isolamento – duas exigências do seu avô paterno, homem de posses, que o idealizara. Beatriz habituara-se ao ambiente calmo e silencioso da casa e do jardim. Conhecia pouca gente. A doença da mãe e o mistério que envolvia o seu nascimento eram os motivos do isolamento social da família. Não tinha amigos, apenas sabia que existiam pelos livros que lia compulsivamente. Aprendera a ler com apenas cinco anos, quando a mãe ainda tinha gosto na sua companhia. Ensinara-a a ler e semeara nela a vontade de viver e o hábito de sonhar. Mas, um dia, adoeceu e esqueceu-se da filha. Descobriu mais tarde que a doença não era do corpo. Fora a alma que perdera a alegria e a vontade de viver. Ninguém lhe explicava as razões de tal doença. Os avós, a ama e até a empregada, que vinha todos os dias da cidade, zangavam-se sempre que se atrevia a falar no assunto. Adivinhava a relação com o seu nascimento pela frieza com que os avós a tratavam – como se fosse a culpada da infelicidade da filha. Desistira de os questionar sobre o pai, tal era a fúria que lia no olhar do avô e a dor que se espelhava no da avó, quando respondiam contidamente: “- Não são assuntos para a tua idade. Contenta-te com a vida boa que tens!”
Restavam-lhe as árvores do jardim. Nomeara cada uma e fizera delas suas amigas. Lia-lhes os livros que o avô nunca deixara de lhe oferecer regularmente. Muitos eram de histórias, outros de História, de Ciências Naturais, Física, Química ou Geografia – matérias que o avô achava que ela podia aprender sozinha. Para a Matemática, a Literatura, a Música e as línguas estrangeiras, vinha, duas manhãs por semana, uma professora pouco faladora que se cingia aos assuntos de estudo.
Estava sozinha e o jardim era o seu mundo, onde permanecia e onde a sua mente viajava pelos oceanos e continentes da imaginação. Nessas viagens, descobria tesouros a que dava vida nas páginas dos cadernos que nunca eram suficientemente grandes para tantas palavras, tantas ideias, tantas histórias e tantos desenhos! Guardava-os ciosamente numa caixa que escondera no tronco da velha tília, guardiã do seu tesouro e confidente das lágrimas, dos risos, dos sonhos e das esperanças. Beatriz fora descobrindo a beleza da amizade e do amor através dos livros e vivia esses sentimentos nas viagens interiores, onde descobria e criava mundos que só ela conhecia e que lhe ofereciam o que a vida real lhe negava.
Sabia agora que esses mundos e tesouros, só seus, lhe tinham permitido sobreviver e vencer a solidão, transportando-a em segurança para a vida adulta, onde veio a descobrir que todo o mistério não passara de preconceito – um amor proibido, uma mãe solteira, uma filha escondida, um pai desconhecido que nunca encontrara – que, por sorte ou providência, se transformara em imaginação, riqueza e dom que partilhava com os seus jovens leitores. Talvez, algures, estivesse algum tão sozinho como ela fora. Era para esse que contava as suas histórias, escondendo nelas sementes de tesouros, para serem descobertas e semeadas.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Post.it: Toda a gente é pessoa

Tem nome de nobreza, mostra orgulhoso exibindo o bilhete de identidade,  mas não é isso que lhe enche a barriga. Tem um corpo franzino, olhar travesso e um andar ladino, nascido e crescido pelos becos de Lisboa. Vive sem rumo pelas ruas da cidade, fazendo aqui e ali algum biscate que lhe pague um abrigo e algo que alimente o estômago. Recusa o rótulo de sem-abrigo, afinal tem um tecto, não dorme na rua. Exibe com orgulho a roupa que lhe deram em 2ª mão,  mostra-a com vaidade, está limpa, para ele é como se fosse nova, como se acabasse de a estrear. Penteia os cabelos ondulantes com os dedos, o rosto enrugado, queimado do sol e do frio impossibilita que se lhe adivinhe a idade.
Zé Manel, como se apresenta, um sem-abrigo com tecto para o cobrir nas noites frias e chuvosas. Não é como os outros, apregoa. É uma pessoa, refere. "E toda a gente é pessoa".
Não gosta de misturas, tem o seu brio, o seu orgulho e afirma com altivez:
- Posso não ter dinheiro para comer, mas tenho o meu quarto pago todos os meses!
Todos os meses no dia certo, batia à minha porta. Quando esta se abria. lá estava o Zé Manel, alfacinha de gema, de sorriso rasgado, dava um retoque no cabelo, ensaiava uns passos de dança e um jeito meio gingão. Trazia um ar de festa, pedia-me um pacote de leite, nada mais. Por vezes o seu ar de festa transbordava de demasiada festividade. Os olhos brilhantes e o hálito a álcool não enganavam, o Zé Manel andara a festejar pela noite fora.
Mas será que tinha algo para festejar? Afinal era um sem-abrigo, um anónimo na multidão. Mas era uma pessoa, não se cansava de repetir.
Um dia desapareceu, ninguém o procurou, ninguém sentiu a sua ausência. Bem, talvez o quarto, agora vazio, o seu tecto, o seu orgulho de quatro paredes, aquilo que lhe permitia sentir que não era mais um sem-abrigo perdido pelas ruas da cidade.
Zé Manel, era uma pessoa, uma vida de pobreza, com apelido de nobreza...

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Post.it: Pessoas especiais

São como uma bênção para quem tem a sorte de as conhecer e de conviver com elas durante algum tempo. Conheci algumas, não muitas, porque são raras. Mas fizeram toda a diferença na minha vida. Com elas aprendi a respeitar, a compreender, a tolerar, a colocar-me no lugar do outro em vez de julgar e, sobretudo, aprendi a confiar e a esperar.
As pessoas especiais reconhecem-se pela simplicidade e alegria com que estão na vida e pela forma como semeiam essa alegria. É um estado de alma que vem da verdade que inunda a sua vida, do respeito e compreensão que nunca faltam na atenção que sabem dar aos outros, da esperança que têm e nos fazem sentir.
Não são pessoas perfeitas. Têm os seus defeitos e feitios, mas são verdadeiras e afastaram o egoísmo do seu coração. Não são imunes ao sofrimento, nem estão protegidas contra as adversidades. Têm problemas e, por vezes, passam por grandes tribulações, mas encontram a coragem de as enfrentar e vencer, tornando-as ocasiões de crescimento e de construção de sabedoria.
Não, não são pessoas perfeitas. São pessoas que aprenderam a ser melhores e, por isso, desenvolveram uma sabedoria que as torna em pontos de luz que nos servem de referência e guia nos caminhos da vida.

Post.it: A manhã tem projectos

A manhã tem projectos ao despertar. Tem projectos para nos fazer feliz. Começa com um sussurro de bom dia, saímos da cama,  abrimos os braços espantamos a preguiça, esfregamos os olhos afastando uma réstia de sono. O sol espreita pela janela impelindo-nos a acelerar a rotina matinal. Já na rua os pulmões enchem-se de ar fresco. O dia sorri um todo o seu esplendor. Nem o trânsito, nem as buzinas, nem os condutores imprudentes demovem a manhã do seu objectivo de felicidade. O café reconforta o corpo ainda meio dormente, o tilintar das chávenas, as conversas apressadas, beijos lançados na ponta dos dedos, o caminhar saltitante segue um percurso mil vezes palmilhado,  mas há sempre algo de novo, as novidades no quiosque dos jornais, o bom dia refrescante dos residentes que vão levar os filhos à escola. A manhã continua na sua missão de  serenar o dia, no ar os sons misturam-se, o crepitante de vozes, de risos, de crianças mal despertas.
 O relógio não pára, já marca as 9 horas, o sol vai alto mas o corpo ainda se ressente  da ausência  daquela cama que fica à nossa espera para nos tirar o cansaço dia e nos adormecer. A manhã tinha ao despertar um  projecto oferece-nos um dia  novinho para que nós o apreciemos e o tornemos melhor.